Agora é definir limites
SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 12/06/11
No ato da posse da ministra Gleisi Hoffmann, a presidente Dilma Rousseff listou os compromissos de seu governo: "Vamos manter a economia em crescimento, controlar a inflação, garantir a rigidez fiscal, criar mais e mais empregos, investir pesadamente em educação, fortalecer nossa classe média e distribuir renda". Ufa! Se vai conseguir tudo isso ao mesmo tempo, numa trajetória sem recuos, interrupções nem freio de arrumação, o futuro dirá.
Ela quase deixou escapar o controle da inflação - o maior desses compromissos. O Banco Central (BC) agiu e os preços não recuaram, mas desaceleraram. Na quarta-feira o BC reconheceu que a batalha não está ganha, ao elevar a Selic. E o pior momento virá em setembro, quando petroleiros, bancários e metalúrgicos prometem, em suas campanhas salariais, indexar a inflação passada ao reajuste do salário - caminho perigoso, com enorme poder de disseminar a indexação de preços por toda a economia. O País ainda não está preparado para conviver com inflação baixa e crescimento alto por longo tempo. Os gargalos da infraestrutura atrapalham.
Mas esse é um problema para ser tocado pela nova ministra da Casa Civil. A urgência, agora, é a presidente fazer o arranjo da interlocução política entre Poderes Executivo e Legislativo. Com a demissão de Palocci, Dilma vem sendo cobrada para conceber um modelo de diálogo com parlamentares. Seu antecessor passou oito anos dedicando boa parte do tempo a negociações com partidos aliados. A cada proposta do Executivo levada ao Congresso, o Palácio do Planalto respondia com distribuição de cargos e verbas. Lula cedeu a essa prática sem resistências, loteou o governo entre os partidos, enfrentou incontáveis denúncias de corrupção e fraudes no governo e acabou consolidando um modelo ruim, que degrada a gestão pública.
Estilo diferente de Lula, Dilma age inversamente, tem sido dura em confiar cargos a políticos despreparados. Isso seria qualidade ou defeito? A classe política considera defeito e evoca Lula como exemplo: ele, sim, foi sábio nessa função. Já Dilma é estreante, concentradora, inflexível e fechada ao diálogo. Para a opinião pública é justamente o oposto: enxerga qualidade quando Dilma resiste a falar o viciado idioma de cargos e verbas, que Lula falava com desenvoltura, gerando feridas na administração pública e no bolso do contribuinte.
É exatamente a definição de limites e abrangência que a presidente deveria trabalhar para conceber o modelo de interlocução entre Executivo e Legislativo, que não se restringe ao Palácio do Planalto e às demandas de parlamentares por cargos e verbas. É maior do que isso. Agora, escolhida Ideli Salvatti para ministra, as duas precisam definir conceitos para esse novo desenho, voltados para valores institucionais, e não para a coisa miúda e degradante do troca-troca de cargos por votos no Congresso. Salvatti deve fazer jus ao nome do Ministério - Relações Institucionais.
Governo de coalizão pressupõe representação partidária na gestão - nos ministérios, sim, não em cargos técnicos que exigem competência, especialização e conhecimento. E o compromisso de representação Dilma cumpriu. Há muito a construir nessa relação, mas um passo importante seria impor limites aos dois lados. Para a base parlamentar: propostas do Executivo ao Congresso devem ser discutidas e alteradas pelos partidos aliados (talvez até melhoradas) para ser aprovadas, e nunca alvos de troca-troca de interesses miúdos. Questão de princípio, inalterável. Para o Executivo: definir critérios que limitem o envio de medidas provisórias, que avançam sobre as atribuições e desrespeitam o Legislativo como poder independente. Limites respeitados, que prosperem diálogo e entendimento.
Seria essa uma proposta ingênua? Para quem vive o clima político de Brasília, certamente. Para o resto do País não. É simplesmente o cumprimento de regras da democracia. Sem isso Dilma Rousseff vai passar o mandato como o antecessor, negociando o varejo miúdo e degradante. E arrisca não cumprir os compromissos de crescer, controlar a inflação, criar mais empregos, etc.
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