Desaniversário
RUBENS RICUPERO
FOLHA DE SÃO PAULO - 12/06/11
O Brasil deve se impor por meio dos méritos de uma diplomacia que seja força de moderação, sem excessos que gerem reações hostis
“Não se fica grande por dar pulos [...] O Japão não precisou pedir que o reconhecessem grande potência, desde que mostrou sê-lo.” Foi em agosto de 1907 que Joaquim Nabuco confiou ao diário essa anotação. Vinha ela a propósito da decepção brasileira na Conferência da Haia apesar do brilho da participação de Rui Barbosa.
Quase 20 anos depois, o comentário poderia ter sido repetido em 1926, data de hoje, desaniversário (parafraseando Alice no País das Maravilhas) da retirada do Brasil da Sociedade das Nações.
O discurso de Afrânio de Melo Franco em Genebra foi impecável na força dos argumentos jurídicos e políticos. Praticamente sem retoques poderia ser repetido agora na defesa de composição mais equilibrada do Conselho de Segurança da ONU. De nada serviu, contudo, a razão do discurso confrontada às realidades do poder.
O interesse das grandes potências europeias era, na época, de reconciliar a Alemanha de Weimar à nova ordem criada após o fim da Primeira Guerra Mundial, integrando-a como membro permanente ao Conselho da Liga. O Brasil, que, exceto uma vez, havia sido sempre eleito com grandes votações como membro temporário, decidiu reclamar também ingresso definitivo.
Outros países se animaram igualmente – Polônia, Espanha, China – criando-se o impasse. Foi então que o governo brasileiro cometeu erro tático irremediável: vetou a aprovação da Alemanha, presumindo demais de suas forças. A situação não havia sido prevista na Carta e gerou crise sem precedentes.
O desafio soava como um “estraga-festa” no momento em que os delegados alemães eram recebidos em triunfo na estação de Genebra. A reação dos poderosos não se fez esperar: o país recalcitrante deveria ser excluído do Conselho. Ameaçado dessa pública humilhação, o Brasil se antecipou e retirou-se do Conselho e da Liga.
Como foi possível que a diplomacia herdeira da moderação e sábio calculismo do barão do Rio Branco tivesse se aprisionado numa posição da qual não existia saída respeitável? A culpa não era da diplomacia, mas da política interna. Vendido à opinião pública como inseparável do prestígio nacional pelo governo impopular de Artur Bernardes, o posto permanente no Conselho passava a ser um absoluto inegociável. Trocava-se o realismo de um pleito razoável, a ser conquistado de modo gradual, por aventura na qual o destino de uma política seria decidido na base do tudo ou nada.
O episódio serve não para enfraquecer a firmeza com que se deve continuar a reclamar para o Brasil o lugar representativo que lhe cabe na direção dos assuntos mundiais. A lição a tirar desse aniversário frustrado é a de que nossa legítima aspiração há de se conquistar não pela vazia busca de prestígio e protagonismo, com intenções políticas internas.
“Não é dando pulos” que seremos reconhecidos. O Brasil deve se impor por meio dos méritos de uma diplomacia que seja força de moderação, sem excessos que gerem reações hostis. A chave do nosso êxito está em demonstrar que somos um país capaz de construir consensos por não possuirmos veleidades hegemônicas nem aspirações de domínio.
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