Nós, os extraditados
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 12/06/11
No caso de Cesare Battisti, ficamos sem saber se os poderes presidenciais foram aumentados ou se já eram incontestáveis, como em ditadura disfarçada de democracia
O CASO CESARE BATTISTI caiu no ridículo. A atitude oficial do Brasil resulta da mistura de inverdades factuais, argumentos falsos, balbúrdia jurídica e malandragem. Não por favorecer Battisti, ao negar sua extradição, mas pelas maneiras adotadas em instâncias oficiais para chegar a isso, sem necessidade de tanto.
Vimos ressurgir, na última interferência do Supremo Tribunal Federalno caso, na semana passada, o argumento em que o então ministro da Justiça, Tarso Genro, baseou a recusa inicial à extradição: entregar Battisti ao cumprimento de sua pena na Itália seria expô-lo ao risco de perseguições políticas e violências na cadeia. Ou seja, fazê-lo vítima de violações aos direitos humanos.
Desde que preso no Brasil em 2007 até a sessão do STF, também se ouviram, em resposta aos aliados de Tarso, muitas referências à respeitabilidade dos altos tribunais italianos, às condições civilizadas das cadeias italianas, às garantias do governo italiano. Verdades possíveis, mas passíveis de inversão fácil no futuro.
Jamais, de um lado ou do outro, ouviu-se, a respeito, o questionamento fundamental: em algum momento houve o fato, este, sim, considerável, de denúncia de perseguição ou violência contra companheiros de Battisti presos pelos mesmos quatro assassinatos? Ou por mais façanhas de morte e roubo com referências a quem nos honrou com sua preferência fugitiva pelo Brasil?
A presunção do risco a Battisti não partiu de indício algum. Foi menos do que uma hipótese. Foi apelação desprovida de seriedade e desnecessária. Ou, se necessária, uma comprovação de que adotá-la equivalia à falta de argumentos respeitáveis.
Cesare Battisti é o de menos nesta historiada. Somos nós, e nossa vidinha institucional e política, o centro da questão. Eis, por exemplo, o ensinamento de um ilustre jurista, para entendermos os seis ministros do STF que consideraram intocável (mas não os outros três) a decisão pessoal de Lula contra a extradição:
"O STF entendeu que o presidente da República é o titular exclusivo do exercício da soberania nacional, e reconhecida [tal] qualidade, não há fundamento legal para que o STF altere deliberação decorrente desta prerrogativa" presidencial.
Se o Supremo, por sua maioria, consagra no presidente o poder "exclusivo" da soberania nacional, o que explicaria a exigência da Constituição de que deliberações suas, com envolvimento da soberania nacional, precisem submeter-se à aprovação do Congresso?
Casos de tratados internacionais e declaração de guerra, por exemplo? E que o próprio Supremo tenha o poder de anular atos assim do presidente da República, se os considerar contrários à Constituição?
Ficamos sem saber se os poderes presidenciais foram ainda mais aumentados ou, em se tratando da soberania que deve pertencer-nos a todos, já eram exclusivamente seus e incontestáveis, como em uma ditadura disfarçada de democracia política. Até parece que vamos sendo, nós outros, extraditados da Constituição.
Tudo esteve e continua à altura da miúda esperteza de Lula ao reservar a recusa da extradição para seu último dia como presidente. Fez o agrado aos companheiros e, mais importante, fugiu da explicação devida à opinião pública sobre seus motivos.
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