Futebol, sexo e religião
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
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Como a Fifa não tem nada com que se preocupar, decidiu banir da Olimpíada de Londres de 2012 a seleção feminina iraniana de futebol por cobrir os cabelos. As meninas choraram em campo, impedidas de jogar contra a Jordânia. A entidade que dirige o futebol mundial fatura bilhões e enfrenta denúncias de corrupção e subornos. Mas essas suspeitas incomodam menos que a ousadia das iranianas. Afinal, quem são elas para imitar a bandana de Ronaldinho Gaúcho?
Vestida de branco dos pés à cabeça, a equipe do Irã posou em Amã, crente que tentaria se classificar para os Jogos de Londres, mas foi banida antes de dar o primeiro chute. No ano passado, elas conseguiram jogar contra a Turquia pelas Olimpíadas da Juventude, em Cingapura. Tinham adaptado o uniforme para seguir as regras da Fifa: as calças compridas foram substituídas por bermudas, que cobriam o início do meião. Na cabeça, toucas de tecido. Assim se apresentaram para jogar na semana passada, mas foram desclassificadas por “razões de segurança”. A Fifa explicou o veto: “A decisão (de março de 2010) permitia que as jogadoras usassem algo que cobrisse a cabeça, mas não que tapasse as orelhas e o pescoço”.
Essa polêmica é de um ridículo atroz. O uniforme das iranianas, feio, desconfortável e calorento, não dá vantagem alguma a elas – correr embrulhada deve ser penoso. Quanto ao “problema de segurança” em cobrir o corpo, nossos craques brasileiros em países frios apelam para luva, manga comprida, gola alta, meião e gorro. Ronaldinho Gaúcho nem no verão dispensa a bandana que esconde suas melenas. É estilo. Se a questão for estética, não há nada mais hediondo que o corte de cabelo de Neymar e seus imitadores moicanos. Então é o quê? O uniforme iraniano é perigoso por seu simbolismo religioso subversivo? Será que fazer o sinal da cruz, ajoelhar e agradecer a Jesus ao entrar em campo ou ao comemorar um gol pode?
No final das contas, a Fifa do suíço Joseph Blatter, reeleito para seu quarto mandato consecutivo, age de maneira tão reacionária quanto o Irã islâmico, que proíbe mulheres de exibir pernas e cabelos. Onde já se viu vetar uma seleção em Olimpíadas porque o uniforme tapa orelhas e pescoço? Se a roupa deixasse entrever bundinha e peitinho, como acontece entre as jogadoras de vôlei e tênis, será que Blatter se incomodaria?
Quem não está nem aí para códigos de vestir ou despir são as jogadoras de futebol alemãs que posaram quase nuas para a Playboy de seu país. Cinco atletas das equipes sub-23 estão na capa da revista. Embora nenhuma delas tenha sido convocada para o Mundial feminino que começa na Alemanha no dia 26 de junho, as cinco batem um bolão como modelos no ensaio sensual, com decotes, transparências e toques (de mão) entre elas. Elas não disputariam nenhum jogo assim, é verdade, mas a desenvoltura extracampo das atacantes alemãs choca os ocidentais? Elas poderiam ser acusadas de tentar impor um padrão libertino a mulheres atletas?
Bobagem. Umas são bonitas, gostosas, soltas e exibidas. As outras se submetem aos severos códigos islâmicos. Todas amam futebol. Não só como torcedoras de arquibancada. Querem jogar bola, disputar campeonatos. Já imaginou o esforço de uma menina iraniana para vencer os preconceitos familiares e sociais e chegar à seleção de seu país? Contra tudo e todos. E agora contra Blatter.
Tudo porque a Fifa determinou que touca feminina não pode. A entidade representa 208 países, mas sempre deu o poder máximo a 24 membros do Comitê Executivo. Faturou US$ 4 bilhões nos quatro anos anteriores à Copa de 2010, mas jamais deu satisfações públicas sobre suas decisões heterodoxas, como a escolha da Rússia e do Catar como sedes da Copa em 2018 e 2022. A principal denúncia é a seguinte: o Catar – um país sem história de futebol, sem times, sem estádios, onde faz 40 graus à sombra – teria comprado a Copa por US$ 20 milhões. Nada se prova, mas o comportamento histórico da Fifa parece esconder mais do que os uniformes das iranianas.
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