Sócios na crise
RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 06/06/11
Dizer que o problema é só dele, que Dilma desconhecia os seus negócios e que nenhuma crise abala o governo foi, sem dúvida, a fórmula esperta encontrada pelo ministro Antonio Palocci para, nos próximos dias, sair de cena alegando ter prestado um último e relevante serviço à sua chefa e ao PT. Mas a fórmula não resiste a um exame superficial.
O problema de estar sob suspeita de ter enriquecido fazendo tráfico de influência seria só de Palocci se ele não fosse quem é — exarrecadador de recursos da primeira campanha presidencial de Lula, ex-ministro da Fazenda, ex-deputado federal, ex-coordenador da
campanha de Dilma e chefe da Casa Civil da Presidência da República.
A velhinha de Ribeirão Preto pode até acreditar que Palocci não cometeu nenhum deslize. Mas, como homem público, ele deve satisfações à sociedade. Em vez de fazê-lo para preservar a própria reputação, preferiu preservar a identidade dos exclientes de sua empresa de consultoria, a natureza dos serviços que lhes prestou e o quanto ganhou.
Fez sua escolha. Por sinal, compreensível, levando-se em conta a certeza de que deixará o governo a qualquer momento. Uma vez
que caia pela segunda vez (a primeira foi quando mandou quebrar o sigilo bancário do caseiro que o viu numa mansão de Brasília onde
se faziam negócios e amor), Palocci voltará à procura dos antigos clientes. É justo...
Ao contrário do que possa ter imaginado, Palocci deixou Dilma em situação desconfortável ao dizer que ela ignorava os seus negócios. Primeiro porque é difícil acreditar que ele tenha dito a verdade. Segundo porque, se disse, tem-se que Dilma nomeia ministros sem ao menos reunir informações sobre sua vida pregressa.
Gente indicada pelo PMDB para postos do governo gostaria de ter merecido o mesmo tratamento conferido a Palocci. Se Dilma não soube antes e não procurou saber depois como Palocci enriqueceu de maneira tão súbita, foi duplamente relapsa, sinto muito. Faltou com o dever de cercar-se de cuidados na escolha dos seus auxiliares.
Por omissão, acabou se tornando sócia de Palocci na primeira grave crise que abala seu governo. Sem essa, por favor, de que o governo funciona normalmente. O “fator Palocci” paralisa o governo há mais de 15 dias. Um governo, por sinal, que anda devagar, quase parando, e ainda repleto de cargos a serem preenchidos.
Diante do enfraquecimento do mais poderoso ministro do governo, recrudesceu o apetite dos partidos por mais espaços. No momento, com uma mão, o Congresso oferece a Dilma o que ela lhe pede — o veto a qualquer convocação de Palocci para ir depor ali. Com a outra, nega a aprovação de medidas e aprova projetos que a contrariam.
A crise protagonizada por Palocci serviu para iluminar pontos frágeis da administração Dilma até aqui tolerados com base no entendimento universal de que todo começo de governo é difícil. O principal ponto: o estilo Dilma de governar. Outro: sua inaptidão para a política. Outro ainda: o perfil baixo, quase rasteiro, da equipe que montou.
Dilma continua sendo a centralizadora de sempre. Nada se faz no governo sem o seu conhecimento prévio e concordância. Por temperamento ou falta de experiência, ou pela soma das duas coisas, não gosta e não sabe tocar o jogo rotineiro da política, indispensável para quem deseje manter os apoios conquistados.
Lula sabia fazer política, mas ao lado dele havia um time de ministros que também sabia. O governo de hábeis na articulação política.
Quase todos os ministros morrem de medo de ser destratados por ela. São menos ministros e mais serviçais temerosos e obedientes.
A Dilma serena é uma invenção da mídia.
Coitado do substituto de Palocci! É por isso que aos poucos se dissemina nos meios políticos de Brasília a opinião, por ora apenas sussurrada, de que a crise de fato atende pelo nome de Dilma. Talvez seja ainda muito cedo para se concluir isso.
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