Mania de ser colônia
ROLF KUNTZ
O ESTADO DE SÃO PAULO - 04/05/11
O Brasil exportou US$ 35,4 bilhões de manufaturados para os Estados Unidos entre 2008 e 2010. Isso correspondeu a 56,8% do valor exportado para a maior economia e principal potência capitalista do mundo. No mesmo período, as vendas de manufaturados à União Europeia - o clube das velhas potências coloniais - proporcionaram uma receita acumulada de US$ 46,7 bilhões, 37,8% do total embarcado para o bloco. O comércio com o maior dos emergentes, eleito como parceiro estratégico pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi muito diferente. Nesses três anos, a China comprou do Brasil manufaturados no valor de US$ 3,9 bilhões, 5,7% do total faturado no comércio bilateral.
Se voltasse do túmulo, dom João VI, responsável pela abertura dos portos há 203 anos, seria incapaz de reconhecer o padrão de intercâmbio entre a antiga colônia portuguesa - por ele convertida em reino unido a Portugal - e os principais mercados do mundo rico. Não acharia muito estranha, no entanto, a estrutura das vendas para a maior das economias ditas emergentes. Mas notaria uma diferença intrigante: há dois séculos, era a Inglaterra a grande compradora de matérias-primas.
Convém levar em conta esses detalhes, quando se examinam os números do comércio brasileiro. De janeiro a abril deste ano, os manufaturados corresponderam a 37,5% das exportações. Um ano antes, equivaliam a 42,5%. O resto - produtos básicos e semimanufaturados - é geralmente classificável na categoria das commodities. A participação dos manufaturados no valor das exportações vem declinando há alguns anos. O pico, 63,6%, foi alcançado em 1994. Nos anos 90, o número oscilou em torno de 60%. No ano 2000, ficou em 61,6%. Nos dois anos seguintes, caiu até 57,1%, ainda sem sair dos padrões da década anterior.
A partir daí a queda foi quase contínua, com apenas uma forte oscilação para cima, em 2005, quando a fatia dos manufaturados voltou a 58,4%. Em 2009 mais um limite foi rompido. A participação baixou para 46,7% e no ano seguinte chegou a 43,8%. Neste ano o resultado será pior, se a tendência observada até agora se mantiver.
Entre 2000 e 2010 as exportações brasileiras para a China passaram de US$ 1,1 bilhão para US$ 30,8 bilhões. Isso explica, em parte, a mudança na composição das vendas brasileiras. A China tornou-se, na comparação entre países, a principal fonte de receita comercial do Brasil. Em 2011, até abril, as vendas à China proporcionaram US$ 11 bilhões, 15,5% da receita. As exportações para a Ásia renderam US$ 19,1 bilhões, 26,8% do valor total. A Ásia tornou-se mais importante, como compradora, que América Latina e Caribe (23,3%) e União Europeia (22,4%). O dinamismo asiático durante a crise ajudou a sustentar o comércio do Brasil e de outros latino-americanos, contribuindo também para a valorização dos produtos primários.
O pico das exportações para os Estados Unidos, US$ 27,4 bilhões, foi alcançado em 2008. Nesse ano, as vendas de manufaturados para o mercado americano chegaram a US$ 16,1 bilhões, 58,7% do total. Em 2009 e 2010, o comércio bilateral foi afetado pela crise, mas, ainda assim, as exportações de manufaturados (acima de US$ 9 bilhões em cada ano) continuaram muito maiores que as destinadas ao mercado chinês - apesar da recessão americana e do real valorizado.
Em 2008 as vendas brasileiras para os Estados Unidos foram 107,9% superiores às de 2000. Mesmo assim, o crescimento foi muito menor que o das exportações para a China, mas isso não se deveu apenas à expansão econômica chinesa. Resultou também de uma escolha política do governo brasileiro. Outros países, governados com outras concepções de interesse nacional, tiveram maior acesso ao mercado americano. Se tivesse prevalecido no Brasil uma concepção semelhante, mais pragmática e menos ideológica, a expansão do comércio brasileiro teria sido mais equilibrada e muito provavelmente mais favorável à indústria.
Segundo alguns defensores do terceiro-mundismo brasileiro, o País teria ficado perigosamente dependente dos Estados Unidos, se tivesse dado mais atenção ao mercado americano. Isso é uma bobagem monumental. O País simplesmente poderia ter vendido mais manufaturados e encontrado mais oportunidades para ampliar a produção industrial. Isso não implicaria vender menos à China e a outros emergentes. Outros países - vários da Ásia e da América Latina - seguiram o pragmatismo e deram-se bem. O Brasil seguiu outro rumo, perdeu oportunidades para sua indústria e ingressou numa relação neocolonial com uma potência emergente.
Para vender matérias-primas à China o Brasil não precisaria de uma escolha ideológica. Sem essa escolha, outros latino-americanos têm abastecido o voraz mercado chinês. Os chineses compram porque precisam, não por ideologia. Eles conhecem seus interesses.
Se voltasse do túmulo, dom João VI, responsável pela abertura dos portos há 203 anos, seria incapaz de reconhecer o padrão de intercâmbio entre a antiga colônia portuguesa - por ele convertida em reino unido a Portugal - e os principais mercados do mundo rico. Não acharia muito estranha, no entanto, a estrutura das vendas para a maior das economias ditas emergentes. Mas notaria uma diferença intrigante: há dois séculos, era a Inglaterra a grande compradora de matérias-primas.
Convém levar em conta esses detalhes, quando se examinam os números do comércio brasileiro. De janeiro a abril deste ano, os manufaturados corresponderam a 37,5% das exportações. Um ano antes, equivaliam a 42,5%. O resto - produtos básicos e semimanufaturados - é geralmente classificável na categoria das commodities. A participação dos manufaturados no valor das exportações vem declinando há alguns anos. O pico, 63,6%, foi alcançado em 1994. Nos anos 90, o número oscilou em torno de 60%. No ano 2000, ficou em 61,6%. Nos dois anos seguintes, caiu até 57,1%, ainda sem sair dos padrões da década anterior.
A partir daí a queda foi quase contínua, com apenas uma forte oscilação para cima, em 2005, quando a fatia dos manufaturados voltou a 58,4%. Em 2009 mais um limite foi rompido. A participação baixou para 46,7% e no ano seguinte chegou a 43,8%. Neste ano o resultado será pior, se a tendência observada até agora se mantiver.
Entre 2000 e 2010 as exportações brasileiras para a China passaram de US$ 1,1 bilhão para US$ 30,8 bilhões. Isso explica, em parte, a mudança na composição das vendas brasileiras. A China tornou-se, na comparação entre países, a principal fonte de receita comercial do Brasil. Em 2011, até abril, as vendas à China proporcionaram US$ 11 bilhões, 15,5% da receita. As exportações para a Ásia renderam US$ 19,1 bilhões, 26,8% do valor total. A Ásia tornou-se mais importante, como compradora, que América Latina e Caribe (23,3%) e União Europeia (22,4%). O dinamismo asiático durante a crise ajudou a sustentar o comércio do Brasil e de outros latino-americanos, contribuindo também para a valorização dos produtos primários.
O pico das exportações para os Estados Unidos, US$ 27,4 bilhões, foi alcançado em 2008. Nesse ano, as vendas de manufaturados para o mercado americano chegaram a US$ 16,1 bilhões, 58,7% do total. Em 2009 e 2010, o comércio bilateral foi afetado pela crise, mas, ainda assim, as exportações de manufaturados (acima de US$ 9 bilhões em cada ano) continuaram muito maiores que as destinadas ao mercado chinês - apesar da recessão americana e do real valorizado.
Em 2008 as vendas brasileiras para os Estados Unidos foram 107,9% superiores às de 2000. Mesmo assim, o crescimento foi muito menor que o das exportações para a China, mas isso não se deveu apenas à expansão econômica chinesa. Resultou também de uma escolha política do governo brasileiro. Outros países, governados com outras concepções de interesse nacional, tiveram maior acesso ao mercado americano. Se tivesse prevalecido no Brasil uma concepção semelhante, mais pragmática e menos ideológica, a expansão do comércio brasileiro teria sido mais equilibrada e muito provavelmente mais favorável à indústria.
Segundo alguns defensores do terceiro-mundismo brasileiro, o País teria ficado perigosamente dependente dos Estados Unidos, se tivesse dado mais atenção ao mercado americano. Isso é uma bobagem monumental. O País simplesmente poderia ter vendido mais manufaturados e encontrado mais oportunidades para ampliar a produção industrial. Isso não implicaria vender menos à China e a outros emergentes. Outros países - vários da Ásia e da América Latina - seguiram o pragmatismo e deram-se bem. O Brasil seguiu outro rumo, perdeu oportunidades para sua indústria e ingressou numa relação neocolonial com uma potência emergente.
Para vender matérias-primas à China o Brasil não precisaria de uma escolha ideológica. Sem essa escolha, outros latino-americanos têm abastecido o voraz mercado chinês. Os chineses compram porque precisam, não por ideologia. Eles conhecem seus interesses.
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