Onde os talentos devem atuar
DANIEL PIZA
O Estado de S.Paulo 04/05/11
Falou-se muito nas emoções e polêmicas do clássico entre Corinthians e Palmeiras e pouco sobre sua lamentável qualidade técnica. Com a saída prematura de Valdívia, o índice de criatividade caiu a quase zero. Não por acaso a decisão foi para os pênaltis e o time melhor e mais nervoso perdeu. Erros do juiz à parte, a quantidade de faltas refletiu esse futebol de trancos e barrancos, de pouca inteligência e plasticidade. O jogo entre São Paulo e Santos foi muito mais prazeroso, mais rico nas emoções que, pelo menos a mim, me interessam no futebol: a de ver boas jogadas, a de ver uma disputa acirrada e equilibrada ser resolvida por dois ou três jogadores de categoria.
Para quem ainda desconfia de Muricy Ramalho, ele demonstrou mais uma vez sua capacidade ao trocar um atacante por um zagueiro. Os comentaristas, com sua proverbial arrogância e precipitação, veem uma medida dessas e logo a qualificam de retranqueira. Mas o que Muricy fez (embora no São Paulo sempre tenha insistido em recuar demais Dagoberto) foi valorizar aquilo que sempre defendo neste espaço: os talentos nunca podem ficar longe demais da área e, apesar de ajudarem na marcação, devem se concentrar em atacar, tabelando e driblando na direção do gol.
Com Elano, Ganso e Neymar à frente, o time passou a ter seus três melhores finalizadores no lugar onde devem estar, ou seja, entre a intermediária e a área, para deixar o adversário em frequente perigo.
O segundo gol pede parágrafo exclusivo. Ganso lançou Neymar de antes do meio campo, Neymar disparou com a bola para a área e quase ficou diante de Rogério; dominou, olhou as possibilidades e recuou a bola no chão para Ganso chegar e bater de primeira, consciente do espaço onde tinha de encaixá-la. Tanto quanto seus arranques e dribles, essa espera de Neymar - esse intervalo de segundos em que não se deixou levar pela afobação e encontrou a saída mais eficiente - mostra o amadurecimento de seu futebol. Ao craque não bastam individualismo e velocidade; pensar enquanto se movimenta é a alma da grandeza.
A dança do Barça. Por falar em pensar em movimento, quem o faz como Messi hoje em dia? Ninguém. Na quarta passada, fez dois gols, um de homem-de-área, o outro de supercraque. Ontem, contra o mesmo Real Madrid, não marcou, mas foi marcado com violência por Ricardo Carvalho, Lass e Adebayor. Apesar de baixo, não é magrela, então não cai com facilidade; além disso, não fica esbravejando, criando encrenca, e se concentra em continuar jogando futebol.
Desse modo, causa tanta preocupação ao adversário que os espaços aparecem ao menos para seus colegas. E que colegas! Iniesta deu passe primoroso para Pedro fazer o gol e, mesmo com o empate do Madrid em falha na saída da defesa, em nenhum momento o Barça foi de fato ameaçado.
A posse de bola foi de nada menos que 65%, ou seja, ela corre de pé em pé em dois terços do jogo sem que o adversário consiga roubá-la. As premissas são simples de enumerar, mas difíceis de executar, e lembram o futsal: domine e toque rápido, protegendo a bola; não tenha medo de passar para um colega sem muito espaço; e se apresente de novo a ele como alternativa, com pequenos deslocamentos, abrindo igarapés na floresta de adversários; ajude a marcação em seu setor; acelere quando possível, desacelere quando necessário. Dos zagueiros a Messi, todos fazem isso, Messi obviamente com mais liberdade para conduzir e driblar por mais tempo do que os outros. E para atuar onde os talentos devem atuar.
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