(In)Coerências
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 06/05/11
Como todo bom político, pode-se encontrar nos discursos do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, trechos que confirmam suas ações, e outros que parecem contradizê-las. O combate ao terrorismo tem características tão delicadas e peculiares que dificilmente uma decisão no campo moral não terá consequências políticas, ou será contestada pela realidade.
Aqui destaco dois exemplos de comportamento de pessoas que influenciam os atos do governo Obama e que, no decorrer de suas vidas, foram obrigadas a rever posições, assim como o próprio Obama está fazendo, mesmo que não se afaste das bases morais de seus projetos.
O presidente declara-se, por exemplo, admirador do teólogo protestante Reinhold Niebuhr, um de seus "filósofos favoritos", sobre quem escrevi aqui na campanha presidencial. Considerado um dos mais importantes intelectuais religiosos, ligado ao grupo evangélico Igreja Unida de Cristo, ensinou durante mais de três décadas num seminário em Nova York e hoje é nome de rua na cidade.
Fundador de um grupo anticomunista chamado Ação Democrática de Americanos, ele apoiou a intervenção dos EUA na Segunda Guerra Mundial, condenou o bombardeio sobre Hiroshima e Nagasaki, mas depois admitiu que a ação fora necessária para conter a União Soviética.
Niebuhr foi ativista contra a atuação americana no Vietnã. Seu "realismo cristão" o levava a reconhecer o que chamava de "a persistência do pecado" e criticava quem "usava o mal para evitar o mal maior".
Para Obama, lendo Niebuhr, aprende-se que, se é verdade que o mal está sempre presente, sua persistência não pode servir de desculpa para não agir. Niebuhr advertia que "causas nobres provocaram consequências cegas e resultados moralmente problemáticos".
Esses conceitos tanto serviram na época de base para críticas ao governo Bush, como podem ser usados hoje contra a ação do governo Obama na morte de Bin Laden. Mas podem também justificar a ação.
No dia do anúncio da morte de Osama bin Laden, canais de TV simpáticos ao governo democrata, especialmente a MSNBC, que representa nos canais a cabo o que a Fox News é para os radicais republicanos, mostrou diversos trechos de discursos de Obama quando candidato em que ele se comprometia a "caçar e matar" Bin Laden.
O desfecho da ação no Paquistão não seria nada mais que o cumprimento de promessa de campanha, assunto do qual o ex-presidente George W. Bush já se esquecera.
Mas há um discurso de Obama no Woodrow Wilson International Center for Scholars, em 1º de agosto de 2007, ainda como candidato, mais claro ainda em relação a seu compromisso de caçar os terroristas que fizeram o 11 de Setembro. E também dá a dimensão da encrenca em que o governo paquistanês está metido.
Obama, em certo trecho, diz que "não pode haver porto seguro para terroristas que ameaçam a América. Não podemos deixar de agir porque a ação é difícil. Como presidente, vou fazer com que as centenas de milhões de dólares em ajuda militar dos Estados Unidos ao Paquistão sejam condicionados, e vou deixar claras nossas condições: o Paquistão tem que fazer progresso substancial no fechamento de campos de treinamento, desalojar combatentes estrangeiros, e evitar que o Talibã use o Paquistão como área para ataques ao Afeganistão".
"Entendo que o presidente Musharraf tem seus próprios desafios. Mas vou deixar bem claro. Há terroristas escondidos naquelas montanhas que mataram 3.000 americanos. Estão se preparando para atacar novamente. Foi um erro terrível deixar de agir quando tivemos a chance de desmantelar uma reunião de líderes da al-Qaeda em 2005. Se houver informações valiosas sobre alvos terroristas altamente perigosos, e o presidente Musharraf não agir, nós agiremos".
Nesse mesmo discurso, Obama anunciou que fazia parte de sua estratégia antiterror organizar uma força militar treinada para rastrear, capturar ou matar terroristas no mundo, e impedir que eles tenham acesso às mais perigosas armas. "Eu não hesitarei em usar a força militar para atingir terroristas que representem uma ameaça direta à América", garantiu.
Ao mesmo tempo, escolhia para ministro da Justiça Eric Holder, uma das vozes mais críticas à maneira como o governo Bush combatia o terrorismo, após ter tido palavras de apoio logo em seguida ao 11 de Setembro.
No impacto dos atentados, Holder admitiu que os EUA estavam em meio a uma guerra e que os presos podiam ser tratados como combatentes, dando a entender que os excessos do Ato Patriótico editado pelo governo Bush poderiam ser justificados.
Sua posição evoluiu para uma crítica contundente, chamando a política antiterrorista de Bush de "exorbitante e ilegal", passando a defender o fechamento da prisão de Guantánamo em Cuba, onde os prisioneiros da Guerra do Iraque eram confinados sem um julgamento pelas regras do sistema judiciário americano e sem prazo definido de detenção.
Holder, o primeiro afrodescendente a assumir o Ministério da Justiça, discutiu logo nos primeiros dias no posto as técnicas de interrogatório utilizadas pelo governo americano, como o afogamento simulado, que não eram consideradas tortura por interpretações jurídicas durante o governo Bush.
A decisão de bani-las das prisões americanas, e que todas as agências de informação utilizassem o mesmo critério de respeito dos direitos humanos no combate ao terrorismo, foi uma das importantes mensagens iniciais do governo Obama.
Com os últimos acontecimentos, que dão ao governo democrata uma revigorada num dos pontos em que mais parecia vulnerável - a luta contra o terrorismo -, os republicanos começaram a defender a tese de que o êxito do combate, que levou à morte de Bin Laden, devia-se à manutenção da política antiterror do governo Bush, inclusive a prática de torturas como o afogamento em interrogatórios.
Obama mandou seu recado ao público interno visitando os bombeiros de Manhattan ontem, antes da cerimônia em homenagem às vítimas dos atentados terroristas de 11 de setembro. Para ele, a morte de Bin Laden "mandou uma mensagem para o mundo, mas também mandou uma mensagem em casa, de que, quando falamos que não vamos esquecer, nós falamos sério".
Aqui destaco dois exemplos de comportamento de pessoas que influenciam os atos do governo Obama e que, no decorrer de suas vidas, foram obrigadas a rever posições, assim como o próprio Obama está fazendo, mesmo que não se afaste das bases morais de seus projetos.
O presidente declara-se, por exemplo, admirador do teólogo protestante Reinhold Niebuhr, um de seus "filósofos favoritos", sobre quem escrevi aqui na campanha presidencial. Considerado um dos mais importantes intelectuais religiosos, ligado ao grupo evangélico Igreja Unida de Cristo, ensinou durante mais de três décadas num seminário em Nova York e hoje é nome de rua na cidade.
Fundador de um grupo anticomunista chamado Ação Democrática de Americanos, ele apoiou a intervenção dos EUA na Segunda Guerra Mundial, condenou o bombardeio sobre Hiroshima e Nagasaki, mas depois admitiu que a ação fora necessária para conter a União Soviética.
Niebuhr foi ativista contra a atuação americana no Vietnã. Seu "realismo cristão" o levava a reconhecer o que chamava de "a persistência do pecado" e criticava quem "usava o mal para evitar o mal maior".
Para Obama, lendo Niebuhr, aprende-se que, se é verdade que o mal está sempre presente, sua persistência não pode servir de desculpa para não agir. Niebuhr advertia que "causas nobres provocaram consequências cegas e resultados moralmente problemáticos".
Esses conceitos tanto serviram na época de base para críticas ao governo Bush, como podem ser usados hoje contra a ação do governo Obama na morte de Bin Laden. Mas podem também justificar a ação.
No dia do anúncio da morte de Osama bin Laden, canais de TV simpáticos ao governo democrata, especialmente a MSNBC, que representa nos canais a cabo o que a Fox News é para os radicais republicanos, mostrou diversos trechos de discursos de Obama quando candidato em que ele se comprometia a "caçar e matar" Bin Laden.
O desfecho da ação no Paquistão não seria nada mais que o cumprimento de promessa de campanha, assunto do qual o ex-presidente George W. Bush já se esquecera.
Mas há um discurso de Obama no Woodrow Wilson International Center for Scholars, em 1º de agosto de 2007, ainda como candidato, mais claro ainda em relação a seu compromisso de caçar os terroristas que fizeram o 11 de Setembro. E também dá a dimensão da encrenca em que o governo paquistanês está metido.
Obama, em certo trecho, diz que "não pode haver porto seguro para terroristas que ameaçam a América. Não podemos deixar de agir porque a ação é difícil. Como presidente, vou fazer com que as centenas de milhões de dólares em ajuda militar dos Estados Unidos ao Paquistão sejam condicionados, e vou deixar claras nossas condições: o Paquistão tem que fazer progresso substancial no fechamento de campos de treinamento, desalojar combatentes estrangeiros, e evitar que o Talibã use o Paquistão como área para ataques ao Afeganistão".
"Entendo que o presidente Musharraf tem seus próprios desafios. Mas vou deixar bem claro. Há terroristas escondidos naquelas montanhas que mataram 3.000 americanos. Estão se preparando para atacar novamente. Foi um erro terrível deixar de agir quando tivemos a chance de desmantelar uma reunião de líderes da al-Qaeda em 2005. Se houver informações valiosas sobre alvos terroristas altamente perigosos, e o presidente Musharraf não agir, nós agiremos".
Nesse mesmo discurso, Obama anunciou que fazia parte de sua estratégia antiterror organizar uma força militar treinada para rastrear, capturar ou matar terroristas no mundo, e impedir que eles tenham acesso às mais perigosas armas. "Eu não hesitarei em usar a força militar para atingir terroristas que representem uma ameaça direta à América", garantiu.
Ao mesmo tempo, escolhia para ministro da Justiça Eric Holder, uma das vozes mais críticas à maneira como o governo Bush combatia o terrorismo, após ter tido palavras de apoio logo em seguida ao 11 de Setembro.
No impacto dos atentados, Holder admitiu que os EUA estavam em meio a uma guerra e que os presos podiam ser tratados como combatentes, dando a entender que os excessos do Ato Patriótico editado pelo governo Bush poderiam ser justificados.
Sua posição evoluiu para uma crítica contundente, chamando a política antiterrorista de Bush de "exorbitante e ilegal", passando a defender o fechamento da prisão de Guantánamo em Cuba, onde os prisioneiros da Guerra do Iraque eram confinados sem um julgamento pelas regras do sistema judiciário americano e sem prazo definido de detenção.
Holder, o primeiro afrodescendente a assumir o Ministério da Justiça, discutiu logo nos primeiros dias no posto as técnicas de interrogatório utilizadas pelo governo americano, como o afogamento simulado, que não eram consideradas tortura por interpretações jurídicas durante o governo Bush.
A decisão de bani-las das prisões americanas, e que todas as agências de informação utilizassem o mesmo critério de respeito dos direitos humanos no combate ao terrorismo, foi uma das importantes mensagens iniciais do governo Obama.
Com os últimos acontecimentos, que dão ao governo democrata uma revigorada num dos pontos em que mais parecia vulnerável - a luta contra o terrorismo -, os republicanos começaram a defender a tese de que o êxito do combate, que levou à morte de Bin Laden, devia-se à manutenção da política antiterror do governo Bush, inclusive a prática de torturas como o afogamento em interrogatórios.
Obama mandou seu recado ao público interno visitando os bombeiros de Manhattan ontem, antes da cerimônia em homenagem às vítimas dos atentados terroristas de 11 de setembro. Para ele, a morte de Bin Laden "mandou uma mensagem para o mundo, mas também mandou uma mensagem em casa, de que, quando falamos que não vamos esquecer, nós falamos sério".
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