Entrevista - Aldo Rebelo
Mauro Zanatta
Valor Econômico - 27/05/2011
"Lobby ambientalista faz propaganda falsa sobre o relatório"
A seguir os principais trechos da entrevista do relator do Código Florestal na Câmara, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), ao Valor:
Valor: O projeto aprovado pela Câmara anistia desmatadores?
Aldo Rebelo: A anistia que existe no Brasil, que eu não concordo que seja anistia porque não é perdão, é a adotada pelo governo. Está em vigor, assinada pelo presidente Lula e o ministro Carlos Minc. É o Decreto 7.029, que suspende as multas e as autuações por desmatamento em reserva legal e em APPs. O governo suspendeu essas multas e, na prática, suspendeu a legislação que exige reserva legal e recomposição de APP, porque sabe que 100% das propriedades não têm como atender essas exigências. O que faço é copiar esse decreto, suspendendo as multas, mas suspendendo o prazo de prescrição dessas multas para que o agricultor tenha condições de ter reserva legal e APP e, depois disso, tenha suas multas convertidas em serviços ambientais. Se ele não atender à legislação, as multas com os respectivos prazos passam a correr normalmente.
Valor: Mas, comparando aos crimes comuns, isso não é trocar uma pena de regime fechado por serviços comunitários?
Aldo: Não. Nesse caso, não há perdão da multa. Apenas, como no decreto do governo, que deve ser reeditado, há a suspensão da prescrição dessa multa para que o agricultor possa se regularizar e atender à legislação.
Valor: Mas o produtor pagará a multa do próprio bolso?
Aldo: O pagamento dele será a recomposição da área de reserva legal que ele não tenha ou de APP que ocupou fora da legislação. Então, vai ter que pagar por recompor a área que precisa reflorestar ou a área de APP. Mesmo levando em conta que, em muitos casos, quando ele ocupou essas áreas, não cometeu nenhuma ilegalidade e, às vezes, ocupou mediante estímulo do próprio governo.
Valor: É um prêmio a desmatamentos passados?
Aldo: Não. A data de 2008 é a do primeiro decreto. Ele é mais amplo do que meu projeto de lei. O segundo decreto traz a data para dezembro de 2009. Portanto, estamos usando uma data anterior. E assumimos um compromisso, e recuei na moratória a pedido do governo, de vedar qualquer tipo de novo desmatamento a partir dessa legislação.
Valor: E estimula novas derrubadas?
Aldo: É impossível. Vedamos a possibilidade de novos desmatamentos, a não ser os já previstos.
Valor: Mas não há manutenção automática das atividades em APPs?
Aldo: Não há porque o Artigo 8º condiciona a manutenção dessas atividades a desde que não estejam em área de risco, ou seja, não ofereçam risco ambiental, e sejam observados critérios técnicos de conservação de solo e de água. Onde o órgão ambiental achar que há risco, a APP será recomposta na medida recomendada. Portanto, não consolida nada até que o órgão ambiental decida qual o topo de morro ou a margem de rio que precisa ser recomposta.
Valor: O texto dá mais poderes aos Estados?
Aldo: Seria inócuo um projeto de lei tratar disso. Essa questão já é definida no Artigo 24º da Constituição que diz que a União e os Estados podem legislar sobre proteção da natureza, do meio ambiente, recursos hídricos, fauna, flora. Ou seja, não há como uma lei impedir que União e Estados legislem sobre o tema. Esse artigo avança e diz que o Estado preencherá a omissão da União e não poderá legislar sobre o que a União já estabeleceu. Embora diga que a União tratará de princípios gerais e os Estados, de temas específicos.
Valor: Critica-se o projeto por delegar funções da União aos Estados. É isso mesmo?
Aldo: O projeto não pode delegar aquilo que a Constituição nega e não pode negar aos Estados aquilo que a Constituição autoriza. O que é prerrogativa está definido na Constituição.
Valor: O senhor retirou do texto as referências à Lei de Crimes Ambientais?
Aldo: Algumas coisas da Lei de Crimes Ambientais que têm relação com a matéria estão no texto. Outras não estão exatamente por não haver necessidade.
Valor: Há, no texto, permissão para reduzir a área de reserva legal na Amazônia?
Aldo: Não há redução. A reserva legal continuará sendo, na área de floresta, 80% da propriedade. O que houve é que estendemos a possibilidade de compensar a reserva legal no mesmo bioma e fora do Estado. E esse princípio não poderia ser negado aos agricultores da Amazônia. Não há por quê um agricultor de São Paulo poder compensar sua reserva legal no Piauí ou no Tocantins e um agricultor de Rondônia ter que arrancar milho, café ou cacau para plantar floresta exatamente no bioma onde existe a maior reserva florestal do país. Ele pode compensar sua área e não haverá novo desmatamento. Mas a área que ele ocupou pode ser compensada fora da propriedade como permitido aos agricultores de todo o Brasil.
Valor: Isso pode ser um "liberou geral", estimular o desmatamento?
Aldo: Pelo contrário. Não haveria um "liberou geral" aprovado por 410 votos na Câmara. O que o lobby ambientalista não admite é perder o monopólio do ato de legislar sobre esse assunto. Se os ruralistas tivessem 410 votos na Câmara, nem eu seria o relator e nem esse seria o relatório. Seguramente, não haveria 80% de reserva legal na Amazônia nem APP de 500 metros que não existe em nenhum lugar do mundo. O que ocorreu foi que os ruralistas aceitaram a mediação da maioria da Câmara e da maioria dos partidos. O lobby ambientalista não aceitou e fica fazendo propaganda falsa de que o relatório admite desmatamento e anistia. Espalha criminosamente pela mídia internacional essa versão e consegue "plantar" isso numa parte da mídia brasileira. Isso não passa de farsa, de mentira. O que aconteceu foi a capacidade da imensa maioria, que não é ruralista nem ambientalista, de impor uma solução intermediária, que é a solução dos 410 deputados a favor do meu relatório.
Valor: A aprovação, nas condições em que ocorreu, foi uma derrota do governo para sua própria coalizão?
Aldo: Não houve derrota nenhuma. Não era uma matéria administrativa. Não votamos reforma fiscal, tributária ou previdenciária. Votamos a adequação de uma regulação entre meio ambiente e agricultura que o próprio governo tinha interesse em aprovar. Como é que um líder do governo encaminharia a favor do meu relatório? E o PCdoB, o PT, PDT, PMDB, PSB, DEM, PSDB, PSC? O governo encaminhou a favor. A polêmica foi em torno da Emenda 164.
Valor: Essa emenda não acabou por modificar o espírito do projeto?
Aldo: Não creio. A emenda veio para resolver um impasse: se deixaríamos na ilegalidade 2 milhões de agricultores que estão em APPs ou se daríamos a eles um tempo para que os órgãos técnicos, considerando a proteção do solo, da água e da natureza, estabelecessem qual a atividade possível nas áreas que eles já estão ocupando.
Valor: Um veto da presidente Dilma Rousseff seria uma desfeita?
Aldo: Não considero. Acredito que a presidente Dilma não foi suficientemente informada por seus assessores sobre o que está em curso. Talvez, quando ela se deparar com a necessidade de reeditar o decreto da anistia e da suspensão da legislação que deveria estar em vigor, ela se dê conta da situação de fato e possa refletir mais sobre essa situação.
Valor: O projeto aprovado pela Câmara anistia desmatadores?
Aldo Rebelo: A anistia que existe no Brasil, que eu não concordo que seja anistia porque não é perdão, é a adotada pelo governo. Está em vigor, assinada pelo presidente Lula e o ministro Carlos Minc. É o Decreto 7.029, que suspende as multas e as autuações por desmatamento em reserva legal e em APPs. O governo suspendeu essas multas e, na prática, suspendeu a legislação que exige reserva legal e recomposição de APP, porque sabe que 100% das propriedades não têm como atender essas exigências. O que faço é copiar esse decreto, suspendendo as multas, mas suspendendo o prazo de prescrição dessas multas para que o agricultor tenha condições de ter reserva legal e APP e, depois disso, tenha suas multas convertidas em serviços ambientais. Se ele não atender à legislação, as multas com os respectivos prazos passam a correr normalmente.
Valor: Mas, comparando aos crimes comuns, isso não é trocar uma pena de regime fechado por serviços comunitários?
Aldo: Não. Nesse caso, não há perdão da multa. Apenas, como no decreto do governo, que deve ser reeditado, há a suspensão da prescrição dessa multa para que o agricultor possa se regularizar e atender à legislação.
Valor: Mas o produtor pagará a multa do próprio bolso?
Aldo: O pagamento dele será a recomposição da área de reserva legal que ele não tenha ou de APP que ocupou fora da legislação. Então, vai ter que pagar por recompor a área que precisa reflorestar ou a área de APP. Mesmo levando em conta que, em muitos casos, quando ele ocupou essas áreas, não cometeu nenhuma ilegalidade e, às vezes, ocupou mediante estímulo do próprio governo.
Valor: É um prêmio a desmatamentos passados?
Aldo: Não. A data de 2008 é a do primeiro decreto. Ele é mais amplo do que meu projeto de lei. O segundo decreto traz a data para dezembro de 2009. Portanto, estamos usando uma data anterior. E assumimos um compromisso, e recuei na moratória a pedido do governo, de vedar qualquer tipo de novo desmatamento a partir dessa legislação.
Valor: E estimula novas derrubadas?
Aldo: É impossível. Vedamos a possibilidade de novos desmatamentos, a não ser os já previstos.
Valor: Mas não há manutenção automática das atividades em APPs?
Aldo: Não há porque o Artigo 8º condiciona a manutenção dessas atividades a desde que não estejam em área de risco, ou seja, não ofereçam risco ambiental, e sejam observados critérios técnicos de conservação de solo e de água. Onde o órgão ambiental achar que há risco, a APP será recomposta na medida recomendada. Portanto, não consolida nada até que o órgão ambiental decida qual o topo de morro ou a margem de rio que precisa ser recomposta.
Valor: O texto dá mais poderes aos Estados?
Aldo: Seria inócuo um projeto de lei tratar disso. Essa questão já é definida no Artigo 24º da Constituição que diz que a União e os Estados podem legislar sobre proteção da natureza, do meio ambiente, recursos hídricos, fauna, flora. Ou seja, não há como uma lei impedir que União e Estados legislem sobre o tema. Esse artigo avança e diz que o Estado preencherá a omissão da União e não poderá legislar sobre o que a União já estabeleceu. Embora diga que a União tratará de princípios gerais e os Estados, de temas específicos.
Valor: Critica-se o projeto por delegar funções da União aos Estados. É isso mesmo?
Aldo: O projeto não pode delegar aquilo que a Constituição nega e não pode negar aos Estados aquilo que a Constituição autoriza. O que é prerrogativa está definido na Constituição.
Valor: O senhor retirou do texto as referências à Lei de Crimes Ambientais?
Aldo: Algumas coisas da Lei de Crimes Ambientais que têm relação com a matéria estão no texto. Outras não estão exatamente por não haver necessidade.
Valor: Há, no texto, permissão para reduzir a área de reserva legal na Amazônia?
Aldo: Não há redução. A reserva legal continuará sendo, na área de floresta, 80% da propriedade. O que houve é que estendemos a possibilidade de compensar a reserva legal no mesmo bioma e fora do Estado. E esse princípio não poderia ser negado aos agricultores da Amazônia. Não há por quê um agricultor de São Paulo poder compensar sua reserva legal no Piauí ou no Tocantins e um agricultor de Rondônia ter que arrancar milho, café ou cacau para plantar floresta exatamente no bioma onde existe a maior reserva florestal do país. Ele pode compensar sua área e não haverá novo desmatamento. Mas a área que ele ocupou pode ser compensada fora da propriedade como permitido aos agricultores de todo o Brasil.
Valor: Isso pode ser um "liberou geral", estimular o desmatamento?
Aldo: Pelo contrário. Não haveria um "liberou geral" aprovado por 410 votos na Câmara. O que o lobby ambientalista não admite é perder o monopólio do ato de legislar sobre esse assunto. Se os ruralistas tivessem 410 votos na Câmara, nem eu seria o relator e nem esse seria o relatório. Seguramente, não haveria 80% de reserva legal na Amazônia nem APP de 500 metros que não existe em nenhum lugar do mundo. O que ocorreu foi que os ruralistas aceitaram a mediação da maioria da Câmara e da maioria dos partidos. O lobby ambientalista não aceitou e fica fazendo propaganda falsa de que o relatório admite desmatamento e anistia. Espalha criminosamente pela mídia internacional essa versão e consegue "plantar" isso numa parte da mídia brasileira. Isso não passa de farsa, de mentira. O que aconteceu foi a capacidade da imensa maioria, que não é ruralista nem ambientalista, de impor uma solução intermediária, que é a solução dos 410 deputados a favor do meu relatório.
Valor: A aprovação, nas condições em que ocorreu, foi uma derrota do governo para sua própria coalizão?
Aldo: Não houve derrota nenhuma. Não era uma matéria administrativa. Não votamos reforma fiscal, tributária ou previdenciária. Votamos a adequação de uma regulação entre meio ambiente e agricultura que o próprio governo tinha interesse em aprovar. Como é que um líder do governo encaminharia a favor do meu relatório? E o PCdoB, o PT, PDT, PMDB, PSB, DEM, PSDB, PSC? O governo encaminhou a favor. A polêmica foi em torno da Emenda 164.
Valor: Essa emenda não acabou por modificar o espírito do projeto?
Aldo: Não creio. A emenda veio para resolver um impasse: se deixaríamos na ilegalidade 2 milhões de agricultores que estão em APPs ou se daríamos a eles um tempo para que os órgãos técnicos, considerando a proteção do solo, da água e da natureza, estabelecessem qual a atividade possível nas áreas que eles já estão ocupando.
Valor: Um veto da presidente Dilma Rousseff seria uma desfeita?
Aldo: Não considero. Acredito que a presidente Dilma não foi suficientemente informada por seus assessores sobre o que está em curso. Talvez, quando ela se deparar com a necessidade de reeditar o decreto da anistia e da suspensão da legislação que deveria estar em vigor, ela se dê conta da situação de fato e possa refletir mais sobre essa situação.
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