Um presente para Marcelo Coelho
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 27/05/11
Está na cara que Marcelo Coelho não assiste ao filme "O Povo Contra Larry Flynt" faz tempo
DEPOIS DO quiproquó armado no Festival de Cannes com a piadinha sobre Hitler que acabou levando meio mundo a tachá-lo de simpatizante do nazismo, antissemita e outras amenidades igualmente abonadoras, o diretor dinamarquês Lars von Trier ainda teve de responder a um jornalista que persistia na falsa polêmica sobre como iria explicar o episódio aos seus filhos.
Sem enrolar, ele disse: "Aos meus filhos eu não devo explicações, eles sabem que não sou antissemita nem nazista". Ponto, parágrafo.
Estou totalmente de acordo com a expulsão de Lars von Trier de Cannes por ser o pior piadista que a Côte D'Azur já recebeu. Mas a organização do festival soa-me um pouco aos "talibikers" com quem me indispus aqui e na coluna da revista sãopaulo meses atrás.
Eu não gostaria de me ver alinhada ao humor gelado de Herr von Trier. Mas parece-me que as placas tectônicas do mundo estão em movimento e que as pessoas estão se redistribuindo sobre elas na criação de uma nova ordem mundial.
Olha o Danilo Gentili aqui do meu lado! E lá vem um oceano a nos separar da intolerância irritadiça que quer impor a sua verdade.
Você já reparou como os ecologistas estão cada dia mais parecidos com a turma anti-imigração do Le Pen e com os radicais religiosos do Wyoming a Kandahar, todos querendo que a gente viva como eles, coma como eles e disponha de nossos dejetos como eles? A impressão que dá é a de que os pregadores estão se reunindo em grupo.
Tenho a maior admiração pelo Marcelo Coelho. Ele é o tipo de pessoa a quem eu entregaria tranquilamente meus dois cães para passar o mês de julho fazendo trekking nos Andes. Sei bem de sua integridade, ouço tudo o que ele tem a dizer sobre cinema, livros, arte, urbanismo, o impacto da tecnologia nos bebês, nas mães lactantes e na terceira idade, enfim, para mim ele pode abordar uma miríade infinita de assuntos a que eu presto atenção e ainda anoto e sublinho.
Mas, nestes últimos 28 anos na Folha, não me lembro de uma só vez que a coluna do Marcelo Coelho me tenha feito rir. Donde concluo que senso de humor não seja exatamente a sua especialidade.
Por isso ficou-me atravessado na goela o revide furioso que ele fez à piada de Danilo Gentili sobre judeus de Higienópolis (por conta daquela história da estação do metrô).
Não vejo porque ofender Gentili tamanha bobeira. Ontem fui olhar na internet e tinha lá gente propondo que se gravasse na testa do humorista o "nazi scalp" de "Bastardos Inglórios". Mais grave ainda é usar de impugnação estilística para formalizar o ataque.
Coelho termina sua coluna confundindo o vagão do metrô com o trem que leva a Auschwitz, uma imagem eficiente. Mas mentirosa. Não é verdade que uma piada possa desencadear um processo que termine em um campo de concentração. Não foi isso que aconteceu no nazismo nem existem outros exemplos na história.
Mais fácil que o heroico caminho que Gentili esteja trilhando nesta nossa jovem democracia se assemelhe ao que fizeram os mais ousados comediantes da história Lenny Bruce, George Carlin e Andy Kaufman. E que os absurdos que ele diz -ache graça ou não- sirvam para amaciar nossos ouvidos e exercitar a liberdade de expressão.
Creio que vou dar ao Marcelo Coelho o DVD "O Povo Contra Larry Flynt", de Milos Forman. Pelo que disse, está na cara que faz tempo que ele não vê o filme.
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