Deus gosta de brincar de Bin Laden
TONY BELLOTTO
VEJA ONLINE
Giovanna, minha amiga atéia de Curitiba, enviou-me um e-mail semana passada. A frase Deus gosta de brincar de Bin Laden vinha assinalada no espaço referente ao “assunto” (subject, para os íntimos). Giovanna, com sua usual beligerância, abria a mensagem indignada: “Não é possível que depois do terremoto, tsunami e vazamento nuclear no Japão alguém ainda acredite em Deus. Quem é ele, afinal? Alguma espécie de super terrorista universal?”.
A mensagem seguia nesse ritmo, recheada de vitupérios e ofensas ao Todo Poderoso. Conheci Giovanna faz alguns anos em Curitiba, no lançamento do meu livro Bellini e os Espíritos. Durante um bate papo com leitores, que antecedia a sessão de autógrafos, uma mulher me perguntou – talvez inspirada pelos “espíritos” do título do romance – qual era meu grau, digamos assim, de “espiritualidade”, já que ela sentia exalar de mim uma nítida e avassaladora confirmação da mesma.
Tive de explicar, não sem antes pedir desculpas por uma eventual desilusão, que eu era – e continuo sendo – um ateu convicto e materialista praticante, embora – e eu frisei bastante esse detalhe – humanista radical. Apesar da palidez repentina, que denunciava a decepção, ela ainda insistiu na salvação de minh’alma com frases como “Você está errado. Não é possível que você seja assim, descrente. Com uma carreira tão bem sucedida e mulher e filhos tão bonitos… quanta ingratidão”, mas no fim das contas acabou se resignando (alias, a resignação é das mais admiráveis virtudes dos religiosos).
Após a sessão de autógrafos (não tinha muita gente), uma garota se aproximou timidamente e se apresentou como Giovanna – o sobrenome não revelo para não compremetê-la. “Quem bom saber que existem outras pessoas que pensam como eu. Eu também não tenho certeza da existência de Deus”. Naquela época, os livros de Richard Dawkins ainda não eram populares no Brasil e a discussão sobre ateísmo quase inexistente. Desde então tenho mantido contato regular com Giovanna, por e-mail, e acompanhei sua transformação de uma tímida e conflituada adolescente agnóstica numa ativista pró-ateísmo das mais radicais e intransigentes.
No e-mail ela me cobrava mais dedicação à causa. Sabedora da minha indisposição ao confronto e relutância em defender “causas”, sejam elas quais forem (vide minha crônica Impasses de um Ateu), Giovanna vive me cutucando para me declarar mais vezes e com mais convicção a favor dos ateus e de nosso direito a viver “livres de Deus”, segundo suas próprias palavras. “Além do mais”, prossegue Giovanna, “suas últimas crônicas não estão dando muito Ibope (quem está interessado em suas aulas de natação ou nas suas viagens pelo interior de Minas Gerais?) e você sabe que nenhum assunto é tão polêmico quanto a inexistência de Deus. Ou, talvez, a existência Dele, pressupondo-se que gosta de brincar de Bin Laden e não faz outra coisa que não nos assombrar e testar com doenças, catástrofes e outras formas de terrorismo. Não é à toa que os terroristas islâmicos são tão convictos da existência Dele…”.
Ok, Giovanna, aí está. Segure o rojão depois.
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