Apostas de risco
CELSO MING
O ESTADO DE SÃO PAULO - 01/04/11
Quando desistiu do ataque frontal à inflação deste ano e optou por cumprir a meta só em 2012, o Banco Central não dispunha, como não agora, de certezas. Fez algumas apostas no escuro e enfrenta riscos que, no seu conjunto, são possivelmente maiores do que os que correria se partisse logo para o ataque.
A primeira dessas apostas é a de que a redução da velocidade do crescimento do PIB do Brasil, de 7,5%, em 2010, para 4,0%, em 2011, é fator que, por si só, derrubará a inflação. O problema é que não é certo que o PIB crescerá apenas 4,0%. O Orçamento da União, por exemplo, prevê crescimento de 5,5%. E, mesmo que seja de apenas 4,0%, a demanda tende a aumentar bem mais do que a produção interna, porque a renda seguirá turbinada pelo crédito e pelo salário mínimo (veja ainda a sexta e a sétima apostas).
A segunda aposta assumida com algum temor é a de que os preços internacionais das commodities, responsáveis por boa parte da esticada da inflação nestes dois primeiros meses do ano, irão agora estabilizar-se ou, até mesmo, recuar. O risco dessa aposta é a de que a retomada da economia mundial, com que conta o Banco Central, produza efeito oposto. E que, assim, os preços das commodities continuem em alta, talvez não tão forte como a apresentada neste início de 2011, mas o suficiente para continuar insuflando a inflação brasileira. (Veja, ainda, o Confira.)
Terceira aposta: a atual meta do superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida), de R$ 117,9 bilhões, em 2011, será cumprida à risca pelo governo, o que ajudará a segurar a inflação. Os resultados de fevereiro, ontem divulgados (veja o gráfico) foram apontados como indicação de que o pressuposto está correto. Bem, se a arrecadação crescerá menos (porque o PIB também avançará mais devagar), aumentarão as pressões sobre os governos (federal, estaduais e municipais) para que não cumpram suas metas fiscais.
Quinta: O Banco Central entende que as medidas macroprudenciais são instrumentos tão poderosos para derrubar a alta dos preços quanto o aperto monetário (alta dos juros). Objeção: não há evidência disso e a escalada dos preços dos serviços mostra que um importante segmento não é atingido por essas medidas.
Sexta aposta: o crédito, forte propulsionador do consumo exacerbado, não avançará mais do que 15% em 2011. Ora, nos dois primeiros meses do ano, cresceu 21% e não há certeza de que o Banco Central contenha a corrida às operações de crédito nem mesmo dos bancos estatais.
Sétima: o crescimento da renda vai ser contido nos dois próximos anos. Essa aposta é incompatível com o reajuste já contratado do salário mínimo em 2012, de pelo menos 13,9%.
Para resumir, o Banco Central, instituição da qual se espera que opere sempre com alto grau de segurança, assume forte dose de risco. Pode perder algumas ou todas essas apostas. Se perder, à medida que isso acontecer, ficará com sua credibilidade comprometida.
Esta é boa hora para relembrar frase do ex-jagunço Riobaldo, personagem do Grande Sertão, de Guimarães Rosa: "Diverjo de todo o mundo? Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa".
CONFIRA
Menos dinheiro lá fora?
Uma das razões que levam o Banco Central do Brasil a contar com a estabilização nas cotações das commodities é a alta dos juros a ser praticada pelos grandes bancos centrais.
Puxada dos preços
É que um dos fatores apontados para a alta das commodities é a abundância de dinheiro nos mercados, em consequência da política monetária frouxa dos bancos centrais. Essa abundância estaria levando os investidores a colocar dinheiro nos mercados futuros de commodities. Mas ninguém espera para tão cedo o aperto dos juros pelos bancos centrais dos países ricos, especialmente, pelo Fed, o banco central americano.
Correção
O Banco Central pede um "ajuste" nas declarações do diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo, ontem citadas nesta coluna.
Hamilton Araújo não disse: "Não sei se a inflação é o maior problema do Brasil". Mas disse: "Não sei se o problema (da inflação) é maior no Brasil do que no resto do mundo".
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