sexta-feira, abril 01, 2011

ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Discurso torto

ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

O Globo - 01/04/2011

O governo ainda não conseguiu mostrar que tem uma política macroeconômica coerente com a volta da inflação à meta. Uma fonte de preocupação tem sido a política fiscal, que se debate com dificuldades que vão da timidez dos cortes de gastos ao descrédito das contas públicas. A tais dificuldades, veio agora se somar um problema grave de credibilidade, advindo do lamentável discurso com que o governo vem tentando racionalizar a expansão do gasto público direcionado ao investimento.

Indagado pela mídia sobre a contradição envolvida nas novas e vultosas transferências do Tesouro ao BNDES, na contramão do corte de gastos que havia sido anunciado, o ministro da Fazenda tem recorrido à seguinte explicação: "Não tem contradição. Uma coisa é gasto e outra, financiamento para investimento. Investimento não pressiona a inflação, ele a alivia, porque significa maior oferta de produtos, mais produtividade e redução de custos" (O GLOBO, 4/3/2011). A mesma alegação tem sido feita pelo BNDES. (http://economia.estadao.com.br/noticias/not_57657.htm).

O argumento não faz sentido. E é triste ter de gastar papel, tinta e tempo do leitor para esclarecer questão tão elementar. Um aumento de gastos de investimento não só afeta diretamente a demanda agregada, como deflagra ondas sucessivas de consumo que acabam dando lugar a impacto total sobre a demanda bem maior do que o aumento inicial dos gastos de investimento. Trata-se do efeito multiplicador, conceito bem conhecido por qualquer aluno de primeiro ano de economia.

No devido tempo, o aumento de gastos de investimento - em construções, instalações, máquinas e equipamentos - dará lugar a uma elevação de capacidade instalada, que, sim, poderá ampliar a oferta de bens e serviços da economia. Mas, até que isso ocorra - o que não é imediato e depende do prazo de maturação das inversões feitas -, o efeito dominante do aumento de investimento será pelo lado da demanda.

O leitor menos afeito ao economês pode se beneficiar do noticiário recente para perceber, de forma mais nítida e concreta, a distinção entre o efeito inicial do aumento do investimento, que se dá sobre a demanda agregada, e o efeito posterior, que, afinal, se traduz em ampliação de capacidade de produção. Há poucas semanas houve uma rebelião no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. O clima de inquietação logo atingiu outras obras importantes do PAC. Na cobertura dessa rebelião e seus desdobramentos, a mídia tem dado destaque aos vastos contingentes de trabalhadores empregados nessas obras. Só em Jirau trabalham nada menos que 22 mil operários.

Os gastos de investimento ali feitos, financiados com recursos do Tesouro, incluem a folha de pagamento desses trabalhadores. Parte do salário é despendida pelos próprios operários e outra parte remetida às famílias em suas cidades de origem, dando lugar a uma primeira onda de consumo que se propaga por boa parte do País. Outras ondas se seguirão, à medida que esses dispêndios de consumo estimularem a atividade econômica nas comunidades em que forem feitos. É o efeito multiplicador.

Na verdade, o impacto da construção de Jirau sobre a demanda é bem maior, já que os gastos de investimento não se resumem à folha de salários da obra. Envolvem também dispêndios com fornecedores, prestadores de serviços, materiais de construção e equipamentos. Até que a primeira turbina de Jirau comece a gerar energia, em meados de 2012, quatro anos após o início da obra, o impacto dos investimentos estará restrito à demanda.

O governo ainda não se deu conta da péssima impressão que vem causando o discurso oficial de que investimento não pressiona demanda. Tal argumento trouxe desalento ao debate sobre a condução da política macroeconômica. Soou como a 13ª batida do relógio, que diz mais sobre o relógio que sobre as horas. E o mais grave é terem deixado que argumento tão desabonador, forjado no eixo Fazenda-BNDES, fosse usado pela própria presidente Dilma Rousseff na entrevista ao "Valor Econômico" de 17 de março.

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