A gangorra dos nomes
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
Revista Veja
Esta coluna tratou, em sua edição anterior, dos nomes da moda na geração que hoje beira os 20 anos, com base na lista dos aprovados do vestibular da USP. Hoje vai tratar dos nomes de outras eras. Machado de Assis (1839-1908) é um bom começo. Em seus contos, só para ficar na letra “E”, desfilam Edelviras, Emerlindas, Engrácias, Ernestinas. E não se pense que sejam todas tias velhas. Ernestina, no conto Uma Senhora, é uma mocinha à altura da lendária beleza da mãe. Em uma das obras-primas do autor, Memórias Póstumas de Brás Cubas, o Brás do título tinha uma tia Emerenciana, um tio Ildefonso, uma irmã Sabina, uma sobrinha Venância e amou uma Virgília. Em outra, Dom Casmurro, a celebre Capitu, filha do Pádua e de dona Fortunata, tem um caso (ou não?) com Ezequiel Escobar, casado com Sancha. E corno era o nome verdadeiro da serelepe apelidada Capim? Capitolina.
São nomes que hoje dormem nos livros, talvez um sono eterno, talvez – quem conhece a lógica das modas? – aguardando o dia de voltar a figurar em frescas listas de registro civil ou de aprovados em vestibular. Para continuar nos clássicos da ficção brasileira, em Senhora, de José de Alencar (1875), a personagem principal é Aurélia, e no Ateneu, de Raul Pompeia, de 1888, o temido diretor da escola chama-se Aristarco Argolo de Ramos. Já no século XX, Lima Barreto batizou de Policarpo aquele que se tornaria seu mais conhecido personagem (Policarpo Quaresma, 1911) e Graciliano Ramos porá um Adrião em Caetés (1933). Mais perto de nós, Diadorim fazia sua arrebatadora aparição na literatura brasileira, em Grande Senão: Veredas, de Guimarães Rosa (1956). Diadorim, que era mulher e não homem, como a esta altura já é amplamente sabido, chamava-se na verdade Maria Deodorina.
Nomes de gente que viveu de verdade, e não apenas nos romances, foram pesquisados pela historiadora Maria Luiza Marcílio no livro A Cidade de São Paulo.
Do ranking elaborado pela autora, com base nos registros de batismo da capital paulista entre os anos de 1740 e 1800, resulta, sem surpresa, que Maria é o campeão dos nomes femininos (750 ocorrências, 21,8% do total) e José o dos masculinos (639, 16,8%). Maria e José continuariam a reinar por muitos anos, para só recentemente experimentarem a decadência que transparece da lista dos aprovados da USP. O segundo nome feminino mais frequente é Ana, presente 580 vezes, e aqui temos um prodígio de durabilidade; Ana é o mais frequente dos nomes femininos, na lista da USP. Entre os nomes muito cotados no estudo da historiadora, o que hoje soa mais irremediavelmente condenado ao desuso é o de Escolástica (117 ocorrências) - mas quem pode garantir?
As listas de antepassados sempre conterão nomes de provocar sorriso, ou causar espanto. No Baú de Ossos, primeiro dos seis volumes de memórias de Pedro Nava (1903-1984), aparecem, entre os ancestrais do autor no século XIX, um Licurgo, uma Zaira, uma Zebina, e até aí vamos. De tirar o fôlego são os irmãos Iclirérico, Itríclio e Asclepíades, sendo que Iclirérico se casou com lrífila. Mas não precisamos ir tão longe. A lista dos presidentes do Brasil já prova, por si só, a cambiante fortuna dos nomes. De Deodoro, Floriano, Prudente e Epitácio a Getúlio, Juscelino, Jânio e Tancredo, temos um rol que hoje dificilmente se faria presente numa lista de aprovados no vestibular. Em compensação, daqui a trinta ou quarenta anos, não será surpresa se entre os candidatos à Presidência venham a constar um Cauã (ou Kauã), um Jonatan (ou Jonatas), uma Jéssica (ou Jessyca).
Entre os mortos na chacina de Realengo incluem-se uma Milena, uma Géssica, uma Laryssa, uma Larissa, uma Bianca, uma Samira, uma Karine, um Igor. São nomes entrados muito recentemente em circulação para já figurarem em lápides de cemitérios.
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