O atraso persiste
MAÍLSON DA NÓBREGA
Revista Veja
O Brasil continua preso à visão dos tempos do patrimonialismo português, quando as glórias das conquistas ultramarinas conviviam com a concessão de empregos públicos aos nobres, o loteamento do governo pelo estamento burocrático e a confusão do orçamento público com as posses do rei.
Como se viu, o ministro da Fazenda, de forma ostensiva e inédita, demitiu o presidente de uma empresa privada, a Vale, ao que parece impondo sua vontade a fundos de pensão de empresas estatais, como se do governo fossem. A mesma Vale está ameaçada de ter suas exportações tributadas com base em uma proposta estapafúrdia, a de que isso a forçaria a investir na produção doméstica de aço.
Como prêmio pela derrota nas eleições de 2010, políticos ganharam cargos em instituições financeiras federais. É o oposto da ideia, surgida na Inglaterra do século XVIII, de que o estado contemporâneo precisa de uma burocracia profissional. A Revolução Industrial produzia riqueza, poder militar e expansão imperial, o que exigia estrutura adequada para gerenciar a crescente complexidade do setor público.
Até então, os cargos no governo eram preenchidos por compra ou indicação política. No século XIX, esse sistema se tornou disfuncional. Já em 1806, a estatal Companhia das Índias Ocidentais instituiu uma escola para treinar seus administradores. A adoção do concurso público virou uma demanda inspirada no sistema de admissão dos mandarins, os altos funcionários do império chinês.
O primeiro-ministro William Gladstone (1809-1898) designou dois experientes servidores, Stafford Northcote e Charles Trevelyan, para examinar o assunto. O relatório Northcote-Trevelyan, apresentado em 1854, foi aprovado no ano seguinte. Defendia uma burocracia permanente e a eliminação das indicações políticas. O documento é considerado a origem do atual serviço público britânico, que é livre de afilhadismos de qualquer tipo.
Hoje, papel relevante no processo é atribuído à Civil Service Commission, formada por especialistas independentes e não pertencentes ao setor público (www.civilservicecommission.org.uk). , Cabe-lhe assegurar que a escolha dos servidores seja feita “sob o princípio do mérito e com base em competição justa e aberta”.
No caso de dirigentes, recorre-se a consultorias (headhunters), inclusive para cargos como os equivalentes no Brasil, aos de secretário da Receita Federal e membro do Comitê de Política Monetária do Banco Central. Ficam fora da norma pouco mais de 100 pessoas: os ministros e um limitado número de assessores.
O serviço público britânico serviu de modelo para o mundo anglo-saxôníco e para outros países desenvolvidos. Nas ex-colônias, seu maior herdeiro foi Singapura, cuja burocracia, uma das mais eficientes e menos corruptas do mundo, exerceu papel decisivo para o sucesso do país desde a independência.
Segundo a revista The Economist, Singapura adota um modelo elitista, que paga a altos funcionários 2 milhões de dólares por ano ou mais. O governo “identifica jovens talentosos, os atrai com bolsas de estudos e neles continua investindo. Os que não correspondem são imediatamente demitidos”.
No Brasil, a burocracia profissional surgiu na Primeira República, mas restrita basicamente às Forças Armadas, ao Itamaraty e ao Banco do Brasil. Em 1938, com Getúlio Vargas, foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), que previa o sistema de mérito no serviço público e o planejamento estatal no país.
Infelizmente, desde então o clientelismo e o fisiologismo têm falado mais alto. Mesmo nos órgãos nos quais passou a funcionar o mérito na escolha dos quadros técnicos, o critério político costuma prevalecer na indicação dos dirigentes, dos quais nem sempre se exigem as qualificações necessárias para o exercício do cargo.
Mais de um século e meio depois da profissionalização do serviço público britânico e mais de sete décadas após a criação do Dasp, o governo federal ainda pode indicar mais de 20000 pessoas por critérios políticos. Os estados e municípios, um número maior. Alguém duvida de que isso causa ineficiências e outras coisas?
Mesmo assim, não desanimemos. Um Brasil novo emerge e pode prevalecer sobre o velho.
Como se viu, o ministro da Fazenda, de forma ostensiva e inédita, demitiu o presidente de uma empresa privada, a Vale, ao que parece impondo sua vontade a fundos de pensão de empresas estatais, como se do governo fossem. A mesma Vale está ameaçada de ter suas exportações tributadas com base em uma proposta estapafúrdia, a de que isso a forçaria a investir na produção doméstica de aço.
Como prêmio pela derrota nas eleições de 2010, políticos ganharam cargos em instituições financeiras federais. É o oposto da ideia, surgida na Inglaterra do século XVIII, de que o estado contemporâneo precisa de uma burocracia profissional. A Revolução Industrial produzia riqueza, poder militar e expansão imperial, o que exigia estrutura adequada para gerenciar a crescente complexidade do setor público.
Até então, os cargos no governo eram preenchidos por compra ou indicação política. No século XIX, esse sistema se tornou disfuncional. Já em 1806, a estatal Companhia das Índias Ocidentais instituiu uma escola para treinar seus administradores. A adoção do concurso público virou uma demanda inspirada no sistema de admissão dos mandarins, os altos funcionários do império chinês.
O primeiro-ministro William Gladstone (1809-1898) designou dois experientes servidores, Stafford Northcote e Charles Trevelyan, para examinar o assunto. O relatório Northcote-Trevelyan, apresentado em 1854, foi aprovado no ano seguinte. Defendia uma burocracia permanente e a eliminação das indicações políticas. O documento é considerado a origem do atual serviço público britânico, que é livre de afilhadismos de qualquer tipo.
Hoje, papel relevante no processo é atribuído à Civil Service Commission, formada por especialistas independentes e não pertencentes ao setor público (www.civilservicecommission.org.uk). , Cabe-lhe assegurar que a escolha dos servidores seja feita “sob o princípio do mérito e com base em competição justa e aberta”.
No caso de dirigentes, recorre-se a consultorias (headhunters), inclusive para cargos como os equivalentes no Brasil, aos de secretário da Receita Federal e membro do Comitê de Política Monetária do Banco Central. Ficam fora da norma pouco mais de 100 pessoas: os ministros e um limitado número de assessores.
O serviço público britânico serviu de modelo para o mundo anglo-saxôníco e para outros países desenvolvidos. Nas ex-colônias, seu maior herdeiro foi Singapura, cuja burocracia, uma das mais eficientes e menos corruptas do mundo, exerceu papel decisivo para o sucesso do país desde a independência.
Segundo a revista The Economist, Singapura adota um modelo elitista, que paga a altos funcionários 2 milhões de dólares por ano ou mais. O governo “identifica jovens talentosos, os atrai com bolsas de estudos e neles continua investindo. Os que não correspondem são imediatamente demitidos”.
No Brasil, a burocracia profissional surgiu na Primeira República, mas restrita basicamente às Forças Armadas, ao Itamaraty e ao Banco do Brasil. Em 1938, com Getúlio Vargas, foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), que previa o sistema de mérito no serviço público e o planejamento estatal no país.
Infelizmente, desde então o clientelismo e o fisiologismo têm falado mais alto. Mesmo nos órgãos nos quais passou a funcionar o mérito na escolha dos quadros técnicos, o critério político costuma prevalecer na indicação dos dirigentes, dos quais nem sempre se exigem as qualificações necessárias para o exercício do cargo.
Mais de um século e meio depois da profissionalização do serviço público britânico e mais de sete décadas após a criação do Dasp, o governo federal ainda pode indicar mais de 20000 pessoas por critérios políticos. Os estados e municípios, um número maior. Alguém duvida de que isso causa ineficiências e outras coisas?
Mesmo assim, não desanimemos. Um Brasil novo emerge e pode prevalecer sobre o velho.
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