Valores e futuro
RICARDO YOUNG
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/04/11
Escrevo este artigo ainda consternado com a tragédia de Realengo e fico pensando como nós, brasileiros, temos dificuldades de integrar as diversas facetas de nossa identidade cultural.
Não se pode prever quando surgirá um matador em série.
Mas há limites sociais que podem impedir a ocorrência de eventos radicais. Não estou me referindo apenas a leis restritivas para armas ou à segurança escolar. Falo de limites intangíveis que funcionam como princípios fundamentais de uma pessoa e de uma sociedade -seus valores.
O brasileiro e o Brasil têm valores? Quais são? Como ele vê o país de hoje e qual país ele quer construir no futuro?
A Marcondes Consultoria fez estas perguntas a 2.544 brasileiros de mais de 1.600 cidades, durante o ano passado, e publicou os resultados num estudo chamado "Valores Brasil - 2010".
As respostas formam um desenho inquietante. O brasileiro afirma ter como valores máximos a amizade, a família e a honestidade, nesta ordem. Acredita que o país atual enfrenta grandes problemas com corrupção, pobreza e violência, e vislumbra uma sociedade de paz, justiça e redução da pobreza no futuro.
A questão é que, entre os valores menos votados estão alguns relacionados ao protagonismo individual, à busca de soluções coletivas e à uma sociedade coesa no futuro.
Características como autoconfiança, resolução de conflitos, aceitação de riscos, inovação, visão compartilhada, interdependência, senso de comunidade, diversidade e abertura para o novo tiveram votações muito baixas.
O foco do brasileiro ainda é o interesse individual, familiar no máximo. Mas sem soluções coletivas não haverá país justo e pacífico no futuro.
A esperança talvez esteja na chamada "geração Y" que nasceu entre 1977 e 2000. Embora o recorte para esta faixa mostre a prevalência dos mesmos valores individuais, a percepção dos problemas nacionais e a visão de futuro dos "mais velhos", há uma diferença importante.
A diferença é que valores coletivos obtiveram votações tão altas quanto estes. A "geração Y" é mais aberta, valoriza relacionamentos verdadeiros; eles querem aprender, evoluir, buscam significado e pensam na comunidade.
Nossa sociedade precisa assumir o compromisso de criar instituições e processos em que esta geração possa se sentir identificada. Estabelecer relações de confiança a partir das quais o protagonismo possa florescer. Este é o grande desafio.
Nossos valores e nossa determinação de agir estão em xeque. Não haverá paz sem mudança, não haverá mudança sem protagonismo individual em favor de ganhos coletivos duradouros.
RICARDO YOUNG escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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