O último Judt
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/04/11
SÃO PAULO - "Há algo profundamente errado na maneira como vivemos hoje. Ao longo de 30 anos a busca por bens materiais visando o interesse pessoal foi considerada uma virtude: na verdade, essa própria busca constitui hoje o pouco que resta de nosso sentimento de grupo. (...) O caráter materialista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à condição humana."
Palavras peremptórias demais? É o início de "O Mal Ronda a Terra", o último livro do historiador Tony Judt, que acaba de sair no Brasil.
Morto no ano passado, aos 62, Judt diz ter escrito o seu "tratado sobre as insatisfações do presente" para os jovens da Europa e dos EUA. Seu testamento intelectual é uma defesa abrangente da social-democracia. Mas sua perspectiva não é doutrinária, e sim analítica.
São desmistificadoras as palavras que dedica ao horizonte "individualista" das aspirações libertárias da esquerda dos anos 60. Foi uma geração que se uniu não "em torno de interesses comuns, mas sim das necessidades e dos direitos de cada um". Mas o melhor do livro talvez seja seu inconformismo diante do recuo do debate público e da pasmaceira da política atual.
"Tornou-se lugar comum afirmar que todos queremos a mesma coisa, apenas propomos maneiras um pouco diferentes de atingir os objetivos. Mas isso é simplesmente falso. Os ricos não querem a mesma coisa que os pobres. Quem depende do trabalho para sustentar a família não quer a mesma coisa que quem vive de investimentos e dividendos. Quem não precisa dos serviços públicos não busca o mesmo que as pessoas que dependem exclusivamente do setor público".
Essa proposição, diz ele, era algo evidente, mas hoje "nos estimulam a descartá-la como encorajamento incendiário entre as classes".
Quanto estamos dispostos a pagar por uma sociedade decente? -questiona Judt. Ele faz a pergunta a sociedades que, em grande medida, já são decentes, ou muito mais do que o Brasil jamais foi.
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