"Mas ela não o correspondia"
PASQUALE CIPRO NETO
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/04/11
HÁ ALGUMAS SEMANAS, tratei do emprego de alguns pronomes, entre os quais os oblíquos "o/a" e "lhe". Na primeira das duas colunas em que abordei o tema, falei do "lheísmo", que o "Houaiss" define assim: "Fenômeno linguístico que ocorre em alguns dialetos (sociais, regionais, ou ambos) do português do Brasil (especialmente no Nordeste), que consiste em substituir por lhe(s) os pronomes o(s), a(s) (referentes ao tratamento você, vocês), na função de objeto direto (por exemplo: ele lhe viu; eu lhe amo)".
Como vimos, em se tratando do padrão formal moderno, os pronomes oblíquos que substituem qualquer elemento da terceira pessoa do singular ou do plural (você/s, senhor/es, senhora/s, ele/s, ela/s, o/s professor/es, a/s professora/s etc.) que funcione como complemento verbal direto são "o", "a", "os" e "as": "Nós vimos você na festa" = "Nós o/a vimos na festa"; "Nós vimos vocês na festa" = "Nós os/as vimos na festa"; "Eu vi o/os professor/es lá" = "Eu o/os vi lá"; "Eu vi a/as diretora/s lá" = "Eu a/as vi lá".
Terminei assim a coluna de 17 de março: "Na imprensa brasileira, tem ocorrido um fenômeno inverso ao "lheísmo", ou seja, tem ocorrido o emprego do pronome oblíquo "o" ("a") no lugar do "lhe". Esse caso, que já entrou em questões de vestibulares importantes (o da Unifesp-2011, por exemplo), certamente justifica uma coluna a respeito do tema".
Pois vamos ao caso e à citada questão da prova da Unifesp (2011), que se baseia neste fragmento de texto jornalístico: "Dimitria cursava a oitava série no colégio e desapareceu durante as férias de julho de 2008. Segundo a polícia, a garota avisou que iria viajar em companhia do caseiro, mas nunca mais foi vista. (...) De acordo com a polícia, [o caseiro] Silva disse que matou a menina porque era apaixonado por ela, mas ela não o correspondia".
O enunciado da questão era o seguinte: "No texto, há um erro gramatical. O tipo de erro e a versão que o corrige estão, respectivamente, em: a) uso de conectivo - Silva disse no depoimento o qual matou a menina (...); b) uso de pronome -(...) porque era apaixonado por ela, mas ela não correspondia; c) uso de conectivo -(...) iria viajar em companhia do caseiro, porém nunca mais foi vista; d) uso de adjetivo -(...) porque era obcecado por ela, mas ela não o correspondia; e) uso de verbo - Dimitria frequentava a oitava série no colégio (...)".
Vamos direto ao ponto, caro leitor: a resposta é "b" ("...mas ela não o correspondia"). O problema está justamente no emprego do pronome "o" como complemento de "corresponder", verbo que, como se sabe, não é empregado como transitivo direto. Em outras palavras, a construção padrão é algo como "A menina/Ela não correspondia a esse sentimento" (ou "...não correspondia ao sentimento dele").
Pois bem. Se o verbo "corresponder" é usado com a preposição "a", o pronome oblíquo da terceira pessoa que pode funcionar como seu complemento é "lhe", e não "o" ("...ela não lhe correspondia"). O leitor deve ter notado que no item "b" a banca omitiu o pronome "lhe" na parte que corrige o original. Volte lá e veja o que está escrito ("...mas ela não correspondia").
Outro caso que ilustra o emprego inadequado do oblíquo "o" no lugar do "lhe" é o do verbo "permitir", como se vê nesta construção, extraída de um texto jornalístico: "...a dor, que não o permitiu participar do jogo contra o Grêmio...". Corrija-se: "...a dor, que não lhe permitiu participar do jogo contra o...". É isso.
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