Crispação, banalização, ebulição
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/04/11
SÃO PAULO - Permito-me começar com um pouco de autopropaganda, citando a abertura do texto que assinei a propósito do primeiro dia da gestão Dilma Rousseff, o dia da posse:
"O discurso de posse de Dilma Rousseff não ofereceu luzes sobre como será exatamente a sua gestão, mas deixa aberta uma ampla avenida para trocar a crispação que foi a grande marca da campanha eleitoral por um ambiente político razoavelmente distendido".
Não está dando outra até agora, como o demonstra o texto sempre brilhante de Elio Gaspari na edição de ontem. Ele louva o fato de que Dilma passa a impressão de que "o Brasil é governado por uma pessoa que chega cedo ao serviço, cuida do expediente e vai para casa sem que precise propagar evangelhos ou alimentar tensões".
É ótimo que seja assim, mas há um perigo embutido no que Elio chamou de "banalidade da paz". Pode passar a impressão de que todos os problemas da pátria estão resolvidos ou encaminhados e que basta, portanto, tocar o expediente.
Todo o mundo sabe que não é assim. Mas, como se fosse preciso lembrar, 12 páginas adiante da coluna de Elio Gaspari, o gráfico comparativo de indicadores sociais entre o Brasil, o Peru, a Argentina e o Chile mostra que a dimensão do atraso brasileiro nada tem de banal ou trivial.
Nem vou falar de Argentina e Chile. Fiquemos na comparação com o pobre Peru: a expectativa de vida no Peru é maior do que no Brasil; a média de anos de estudos dos adultos também; o Índice de Desenvolvimento Humano, ajustado por desigualdade social, também. O Brasil só ganha em porcentagem da população com saneamento.
Não se corrigem deficiências com a crispação do período anterior. Mas a correção pede, sim, mais que a rotina gerencial em que Dilma parece especialista. Exige ebulição, além, é claro, de eficiência.
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