domingo, abril 24, 2011

MÔNICA BERGAMO - Um dia na América


Um dia na América
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/04/11
O cônsul dos EUA em SP, Thomas Kelly, ensina Laila Fernanda a jogar tênis em clube de funcionários diplomáticos
  


O casal Assis da Silva não é sócio de clubes. Na vizinhança de Cidade Dutra, onde eles moram, na zona sul de São Paulo, há só a piscina pública de uma escola CEU. Mas há alguns dias quatro de seus filhos foram para "um clube onde ninguém fala a nossa língua", na definição da mais velha deles, Laila Fernanda, 12.

O tal "clube" é o Consulado Geral dos EUA em SP. Suas dependências esportivas são de uso exclusivo dos funcionários. Um grupo de americanos que mora na cidade, que se reúne numa associação, a American Society, teve a ideia de levar crianças carentes para passar um dia no paraíso -ou seja, nas áreas de lazer da representação americana, com direito a churrasco, piscina, jogos e sobremesas.

O evento deve se repetir todos os anos, em abril, na Semana do Voluntariado criada por decreto do presidente Barack Obama."É preciso, num país com tanta desigualdade. Minha empregada nunca viu o mar", diz Eileen Tasso, da associação, ao repórter Chico Felitti. A frase é toda em inglês, menos a palavra "empregada".

O prédio de um quarteirão do consulado, onde diariamente centenas de pessoas enfrentam fila de horas em busca de um visto para entrar nos EUA, abriu suas portas para 80 crianças rigorosamente selecionadas em ONGs ligadas a cidadãos americanos.

De 200 atendidas pelo Instituto Sol, por exemplo, só 20 foram escolhidas. "O consulado tem regras bem severas: pediram pelos mais bem-comportados, acima de quatro anos", diz a freira Angela Carey, fundadora da organização. Os irmãos Assis da Silva -Carla Raíssa, 8, Jonathan Henrique, 10, Letícia Tamara, 11, e Laila Fernanda, 12, embarcaram no ônibus, que partiu de Cidade Dutra.

Meia hora de viagem depois, chega-se à entrada do "clube", na Chácara Santo Antônio. Adultos vão para fora do ônibus. Têm de passar por detector de metais na portaria. O veículo, só com crianças dentro, estaciona entre quatro grades de ferro. Três seguranças, armas no coldre, sobem a bordo. Um papel do tamanho de um "band-aid" é passado na lataria para detectar pólvora. "Tá limpo", diz o guarda, brasileiro. Com espelhos, checam a parte de baixo do coletivo. "Limpo" de novo. O portão se abre: bem-vindos ao consulado americano.

Uma garota texana de 12 anos, que vive há um ano no Brasil, recebe os convidados com barras de cereal. "Você é muito linda", diz uma voluntária a Carla Raíssa. A brasileira solta um "good morning", cumprimento que algumas crianças aprenderam por conta própria. Um órfão de 14 anos vê uma piscina pela primeira vez fora da TV. Em pouco tempo, quase todos se jogam na água. Uma placa avisa: "Nade com responsabilidade, não há salva-vidas".

Dos quatro irmãos, só Laila não nadou. "Fui brincar daquele esporte ali, aquele da raquete." Ela jogou tênis com o cônsul americano na cidade, Thomas Kelly. "Temos um lugar bonito e acolhedor para oferecer a essas crianças, que não têm muito verde nem lazer em suas vidas. É claro que faríamos o evento", diz ele. Antes de ser transferido para o Brasil, Kelly havia promovido evento parecido em Buenos Aires. "Sempre funciona bem. Aconselho mais países a fazer o mesmo, se tiverem estrutura."

"A estrutura tem de ser permanente", diz o padre João José Drexel. Ele administra as sete casas da Associação Maria Helen Drexel, a segunda ONG convidada à jornada. Nos lares, moram menores de idade que perderam os pais, ou cujos responsáveis foram destituídos da guarda. "Trouxe 60 crianças para se divertirem. Mas, por favor, lembrem-se de nós quando não for feriado."

"Nadar dá fome", diz Carla Raíssa, se secando com uma toalha com estampa de notas de 20 dólares, emprestada por um dos 90 voluntários do dia. O churrasco tem hambúrguer, salsicha, pães, tomate, cebola, alface e batatas chips. Para beber, água, suco de caixinha e refrigerantes. Uma americana experimenta guaraná e diz: "Ai, que doce!".

"Não é só dar comida e um sábado bonito o que fazemos. É dar amor", diz Eileen Tasso, da American Society.

Foi a associação que bolou o evento para o governo americano. Chamaram a festa de Volunteer Day (dia do voluntário).

A voluntária Aline Herbert está encarregada de encher copos e dispô-los na mesa para as crianças se servirem. "Antes de vir, eu pensei na questão de ser um dia só, de que essas crianças vão voltar às vidas normais delas amanhã. Me deu uma tristeza, mas é melhor fazer algum bem que bem nenhum."

A mesa de sobremesas não atrai a garotada. Há paçoca e geleia de mocotó convivendo em harmonia com "brownie" e "cookies". Mas as crianças só querem saber de jogar futebol.

Maicon da Silva, 11, segura a bola oval de couro em busca de companhia para estrear no futebol americano. Em vão.

Um dos garotos, o de jaleco número 18, usa chuteira só no pé direito. "Emprestei a outra para um colega [do time adversário] que estava sem", explica ele.

Às 17h, chega a hora de ir embora. Americanos se despedem dos convivas com apertos de mão. Um ou outro arrisca um abraço. Leticia Tamara beija o rosto da voluntária que tinha elogiado a beleza da sua irmãzinha. "Eu gostei dela. Parece brasileira", diz a menina.

Alguns dias depois , Jonathan conta à coluna por telefone o que achou da excursão. "Foi bem legal. Não dá para entender muito a conversa, mas é tudo gente boa lá." E completa: "Pena que seja um clube fechado, né?"

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