domingo, abril 24, 2011

BARBARA GANCIA - NA REAL Londres finge que não está nem aí

NA REAL
Londres finge que não está nem aí
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/04/11

Ingleses fazem questão de mostrar descompromisso, mas publicações do reino não falam de outra coisa


O LOCAL É a entrada da abadia de Westminster, mas a reclamação é a mesma de qualquer logradouro tapuia em época de eleição: "Melhoraram o asfalto da redondeza, deram banho de xampu nas estátuas e pretendem deslocar 5.000 policiais para o evento", lamenta o motorista de táxi Michael Shields.
"Enquanto isso, meu bairro está sem policiamento e a falta de atendimento nos hospitais beira a calamidade."
Evidentemente, o senhor Shields não conhece os casamentos da elite judaica em São Paulo. Se conhecesse, teria noção da modéstia do evento que acontecerá na abadia e, quem sabe, desse outro sentido à expressão "pompa e circunstância".
Mas, pensando bem, o londrino já teve a cidade invadida, devasta pela peste bubônica, reduzida a cinzas por um incêndio e bombardeada pelos alemães na Segunda Guerra. Não será um casamentozinho que irá derreter seus corações. Ou não?
Com qualquer pessoa que puxe assunto pelas ruas de Londres, você sentirá um certo descompromisso em relação ao casamento entre o príncipe William e Catherine Middleton. Os dois jovens subirão ao altar na sexta-feira, na abadia, e o inglês faz questão de dizer que não está nem aí. A resposta padrão é que a melhor coisa do casamento será o feriado prolongado decorrente.
Sei, sei. Então alguém poderia me explicar porque as principais publicações do reino não falam de outro assunto? Será que os americanos, recalcados da própria falta de sangue azul, são os únicos consumidores de lembranças do evento?
É tanta quinquilharia que, ao término do meu primeiro dia na cidade, tive um impulso incontrolável de atirar ao chão uma prateleira de canecas com a foto de William e Kate.
Se os ingleses são tão indiferentes à Casa Real, por que tanta caneca? E, sobretudo, por que 78% da população apoia uma monarquia composta por gente com cara de ratão do banhado, cuja maior serventia é cortar fitas de inauguração?
O teórico constitucionalista Walter Bagehot (1826-77) dizia: "Nenhum sentimento pode parecer mais infantil que o entusiasmo de um inglês ao ver um príncipe de Gales se casar". William, no caso, é o filho do príncipe de Gales, Charles. Aquele que, em matéria de entusiasmo, aposentou-se faz tempo.

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