Por falar em direitos
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/04/11
Índios continuam sendo dizimados por doenças transmitidas pelo contato forçado com não índios, e a assistência mínima deteriorou-se ainda mais
FOI UMA REAFIRMAÇÃO com o tom de quem quer eliminar toda dúvida que possa ainda existir. E o tom de Dilma Rousseff ao afirmar já vem com o sobrepeso de toneladas, quanto mais se reafirma. "A defesa dos direitos humanos, desde sempre, e mais ainda agora, está no centro das preocupações de nossa política externa. Vamos promovê-los e defendê-los em todas as instâncias internacionais, sem concessões, sem discriminações e sem seletividade, coerentemente com as preocupações que temos a respeito do nosso país".
A advertência foi para fora do Itamaraty, servindo aos diplomatas ouvintes apenas como aviso das situações difíceis e necessárias sutilezas que os esperam, mundo afora. Mas, se as situações internacionais sobressaem nos meios de comunicação brasileiros, para o objetivo de Dilma Rousseff as piores dificuldades não estão nas relações externas. Estão aqui, na realidade interna. Inclusive na defeituosa engrenagem de governo.
Falar, a propósito de direitos humanos, da vocação mortífera das PMs, tortura na polícia civil, jaulas como "sistema carcerário", condições desumanas de milhões de vidas, só não é ocioso porque é impossível calar. Se bem que haja grande preferência por falar desses assuntos em suas ocorrências no exterior. Sob monstruosidades que não se podem esconder, proliferam, porém, as extensões do descaso ou repúdio a direitos humanos, mesmo os mais óbvios e simples.
Um exemplo. Os índios continuam dizimados pelas doenças transmitidas por seu contato forçado com não índios. Nas últimas décadas, a assistência mínima deteriorou-se ainda mais - e mínima, no caso, significa existente só para constar. Incumbida da assistência sanitária, a Funasa, que deveria ser Fundação Nacional de Saúde, ficou reduzida a mais uma entidade para entrega, com suas belas verbas, à propriedade de partidos e políticos no tomalá-dacá. Sem apoio para atravessar a barreira política e fazer a Funasa funcionar contra epidemias e outros problemas crescentes em numerosas tribos, o ministro da Saúde no governo Lula, José Gomes Temporão, criou a Sesai, Secretaria de Saúde Indígena, subordinada de direito e de fato ao ministério. Herança extraordinária para o atual governo.
Não para o gosto dos políticos e, em especial, do PMDB e do PT. Logo, o atual ministro, Alexandre Padilha, providenciou junto à Presidência da República o retorno, para a Funasa, das verbas destinadas à ação da Sesai neste ano. Em que dia Alexandre Padilha e seus correligionários tiveram a alegria de receber o decreto de transferência, assinado pela presidente? Na última terça, 19 de abril: Dia do Índio.
A Sesai foi acusada, para o golpe, de não se mostrar operativa. Ou seja, de ser como a Funasa. Claro, é criação recente, Padilha encontrou-a em formação. Em vez de desenvolvê-la, como exigem as obrigações de um governo que se dedique a ser governo, e não banca de negócios políticos, o dito ministro da Saúde esvazia-a. Por mais que a Sesai distasse ainda da eficiência, no correr do ano, não faria pior do que a Funasa.
A preservação da vida e das culturas indígenas é determinada pela Constituição. Integra os direitos humanos devidos aos indígenas. Só devidos. Aos que ainda sobrevivem.
É apenas um exemplo da força da tradição - política e social - sobre os direitos humanos. Não os que se tornam centro da política externa brasileira.
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