"Não é fácil"
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/04/11
SÃO PAULO - "Rakudianai". Pérsio Arida conta que seu pai, um comerciante descendente de libaneses, costumava coroar o relato de suas agruras nos negócios com essa expressão. Um japonês do bairro da Liberdade é quem lhe havia ensinado. Na língua oriental, queria dizer "não é fácil". Todos na família riam.
"Rakudianai" é o título do longo ensaio de Pérsio Arida que acaba de ser publicado pela revista "Piauí" (parte de seu livro de memórias a sair pela Companhia das Letras). Trata da sua passagem pela VAR-Palmares, um dos grupos adeptos da luta armada contra a ditadura.
Arida teve participação periférica na organização. Nunca pegou em armas. Mas foi preso aos 18 anos, em 1970. Torturado com espancamentos e choques numa única noite, passou vários meses na cadeia. Pouca gente sabia disso.
Arida se projetou na vida pública como um jovem e brilhante economista. Foi um dos formuladores dos planos Cruzado (86) e Real (94) e presidiu o Banco Central e o BNDES nos anos FHC. Hoje é banqueiro.
Não há nenhuma sombra de heroísmo no seu relato sobre a resistência à ditadura. Pelo contrário: "Minha intuição era clara como água: era uma batalha perdida. E eu não estava disposto a sacrificar minha vida no altar da revolução, ainda mais de uma fracassada. Por que não desisti? A resposta crua: covardia. Mais precisamente, falta de coragem para ser covarde".
Ao longo do ensaio, ele insiste no sentimento de vergonha e constrangimento, "como se, de alguma forma, fosse minha a culpa por tudo o que me aconteceu". Seria fácil ver nisso simplesmente a confissão de um liberal arrependido. Mas seria injusto diante de um testemunho tão original e elaborado sobre um assunto tão saturado de clichês.
Arida transita com fluência entre as reminiscências pessoais e familiares e a reflexão sobre o passado. Seu texto é cristalino, despojado, mas produz, como que por acúmulo, um forte efeito literário. Não é prosa de jovem nem de economista.
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