Banalidade e sensibilidade
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/03/11
RIO DE JANEIRO - A 30 de junho de 1960, a comerciária Neyde, 23 anos, pegou na escola Taninha, 4, filha de seu amante, o motorista Antonio, que se negava a abandonar a família por ela. Levou Taninha para os fundos do matadouro da Penha, deu-lhe um tiro na nuca, jogou álcool na menina e incendiou-a.
Neyde foi presa e, nas primeiras 12 horas, negou com firmeza a acusação. Mas, por algum motivo, contou tudo a um radialista presente no interrogatório. Pela frieza com que falou, foi chamada de "Mulher-monstro", "A Besta Humana" e, por fim, "A Fera da Penha". Condenada a 33 anos, cumpriu 15 e saiu por bom comportamento. Hoje, aos 72 anos, vive reclusa na pacata Cascadura. Os vizinhos conhecem sua história e seu apodo -quem não?
A 28 de fevereiro último, em Duque de Caxias, outra menina, Lavínia, 6, foi sequestrada e morta pela amante de seu pai -num quarto de hotel, estrangulada com o cadarço do próprio tênis. Luciene, a amante, confessou. Não tão friamente quanto Neyde, mas, como esta, ao sair da delegacia também ouviu gritos de "Lincha!" e "Assassina!".
A associação entre os dois casos é óbvia e tem sido feita. Mas apenas porque, em 1960, a história da "Fera da Penha", com seu tom da grega "Medeia", era mesmo impressionante, e talvez nos chocássemos mais. Os jornais levaram um ano escrevendo todo dia sobre ela, a ponto que, cinquenta anos depois, continua atual. Mesmo hoje, ao chamar Luciene de "Fera de Caxias", é da "Fera da Penha" que se está falando.
Doze dias depois do fato, a "Fera de Caxias" ainda está nos jornais e TVs. Mas seu espaço no noticiário já diminuiu. Mais um pouco desaparecerá e, em breve, terá sido esquecida. É nossa sensibilidade que está encolhendo a olho nu. Temo que, no futuro, ninguém mais se impressione e, por banais, deixemos de tomar conhecimento de notícias outrora chocantes como esta.
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