sexta-feira, março 11, 2011

JANIO DE FREITAS

Um passo em boa hora
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/03/11
A ocasião para tentar algumas mudanças é propícia como não se via há bastante tempo no Congresso

É IMPROVÁVEL QUE alguém negue a desordem do sistema político, incluídos os despropósitos vigentes nas duas casas do Congresso, como responsável pela maior parte dos desregramentos e ineficiência que retêm o Brasil com tantos atrasos. Nessas circunstâncias, são quase inacreditáveis duas surpresas proporcionadas pela atividade política e institucional neste começo de ano.
No país em que os anos só começam depois do Carnaval, quando não depois da Semana Santa, Câmara e Senado entregaram-se a uma atividade que resultou na aprovação de cerca de uma dúzia e meia de projetos. Entre eles, o do salário mínimo, em que muitos jornalistas e os sindicalistas viam uma crise a ameaçar Dilma Rousseff, e não passou de disputa típica das democracias, entre Executivo e Legislativo.
A outra surpresa é maior e melhor: no Senado são fortes os indícios de disposição, e mesmo de certa ansiedade, por iniciar-se, afinal, um processo de reformas, com a chamada reforma política como ponto de partida por iniciativa parlamentar.
O reverso da surpresa senatorial é a banalidade, e, nesse caso, por motivo não menos banal. Está na Câmara. As lideranças partidárias dos deputados invocam a iniciativa isolada do Senado para justificar a reação da Casa: "Se o Senado pensa que vai decidir sobre coisas relacionadas aos deputados, está muito enganado". É claro que um projeto de reforma política envolverá, já por tratar de partidos e métodos eleitorais, interesses dos deputados, como também dos senadores.
O problema não está na iniciativa isolada do Senado com a providência, tomada pelo senador José Sarney, de criar uma comissão para debater e compor um anteprojeto de reforma política. A iniciativa devia ser essa mesma, ainda que Sarney, como presidente também do Congresso, pudesse propor uma comissão mista de senadores e deputados. Mas as previsíveis dificuldades de entendimento, para tal arranjo, retardariam ou emperrariam o propósito básico.
Dúvidas a respeito não resistem à mera observação dos nomes indicados, pelos líderes de bancadas, para compor a comissão da Câmara a título de fazer, também, um anteprojeto de reforma política. É difícil não admitir que líderes concordaram, entre si, na indicação de nomes associados, por fatos e na opinião pública, não a reformas, mas ao que precisa ser reformado.
Uma das indicações, a deputada Jaqueline Roriz, já se foi, com seu pacote de dinheiro escuso, antes mesmo da primeira reunião. Lá continuam, suficientes para manter o tipo de representatividade da comissão, Valdemar Costa, que renunciou ao mandato anterior enrolado em R$ 4 milhões do mensalão; Almeida Lima, o Almeidinha, extensão de Renan Calheiros nas situações embaraçosas; José Guimarães, tornado notório no episódio dos dólares na cueca; e Paulo Maluf, mais imortal do que os integrantes da Academia Brasileira de Letras.
A contraposição Senado-Câmara só pode ser solucionada fora do Congresso. Por eventual ação de duas frentes. Uma, do empenho do governo, caso aprove alguma proposta, para mobilizar apoios em sua base, repleta de recalcitrantes e adversários da reforma. Outra, da importância atribuída à reforma, e depois a um anteprojeto, pelos meios de comunicação, como expressões da opinião pública. Já vimos decisões de Câmara e Senado com essa procedência.
A ocasião para tentar algumas mudanças é propícia, com o ambiente reinante, apesar dos economistas de praxe, como não se via há bastante tempo. Além do mais, por ser início de governo e pela distância das eleições de deputados e senadores, sempre um motivo de defesa dos velhos meios e métodos.
Um passo foi dado.

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