Asmáticos se entendem
IVAN ÂNGELO
REVISTA VEJA - SP
Minha leitora estacionou o carro na frente de uma residência no Morumbi, abriu a porta e, antes que pudesse botar a perna para fora, um revólver surgiu diante do seu rosto.
— Assalto! Chega pra lá! — ordenou um jovem, e logo surgiu outro, empurrando-a para o banco do carona, com força, gritando “Rápido! Rápido!” com um palavrão no entremeio.
O jovem com o revólver abriu ligeiro a porta de trás e entrou, enquanto ela acabava de se sentar e, apavorada, fazia xixi nas calças, implorando, ofegante:
— Ai, meu Deus, não me mata não, não me mata não.
— Fica quieta, dona! Ninguém vai matar ninguém, não. Mas fica quieta!
Ela começou a se sentir mal, e puxava o ar com força para dentro dos pulmões, ruidosamente. Sua bolsa estava no banco de trás.
— Você pode me passar minha bolsa, por favor?
— Sua? Tudo aqui agora é nosso! — disse o rapaz do banco de trás, zombeteiro. Depois, vendo que ela piorava a cada respiração, falou, mais delicado: — Fica calma, dona.
— Procura na minha bolsa, por favor, minha bombinha de Aerolin — implorou ela numa agonia de espasmos, e repetia “Por favor, por favor” enquanto o ladrão procurava a bombinha, realmente apressado.
— Não está aqui, dona, não tem nada aqui — disse ele, aflito.
— Ai, meu Deus, ai, meu Deus, minha asma — gemia ela sufocada, voz esganiçada, respirando ruidosamente pela boca, cabeça para cima, apoiada no encosto.
O ladrão motorista, também aflito, achando que a mulher ia apagar ali no carro, procurou a bombinha para asma nas bolsas da porta ao seu lado. Achou um maço de cigarros vazio.
— Cigarro! Que vergonha! Asmática fumante! É por isso que você tem falta de ar.
Nesse momento, surgiu a mão do ladrão que estava atrás, segurando uma bombinha igual à dela, e ele falou com bons modos:
— Toma, usa a minha. Eu também tenho asma.
Ela aceitou, aflita, o aparelhinho, bombeou, bombeou, respirou, bombeou, bombeou e, quando se sentiu melhor, devolveu-o ao ladrão.
Rodaram duas horas sacando o dinheiro dela em caixas eletrônicos. Eles tentaram outro assalto, num sinal vermelho, mas o trânsito andou e desistiram. Disseram pouco depois que iam deixá-la e que não se preocupasse com o carro, porque o encontraria logo.
— Desce, dona!
— Minha bolsa.
— Tá brincando.
— Você tá com meu dinheiro, com tudo o que é meu, podia ao menos me ceder sua bombinha.
— De jeito nenhum. Não largo minha bombinha nem morto.
— E se eu tiver outro ataque?
— Nem pensar.
— Eu posso morrer.
— Não dou mesmo. Cuidasse da sua.
— Então me dá uma folhinha do meu talão de cheques para eu poder comprar uma no caminho. E meu RG. O ladrão asmático vacilou, o do volante se irritou:
— Resolve isso logo ou dá um tiro nela.
Ela se apressou a sair do carro, novamente apavorada, dizendo “Deixa, deixa, eu vou”, e abriu a porta para sair. O asmático arrancou uma folha de cheque, catou o RG e entregou a ela, dizendo:
— Você teve sorte. A gente é ladrão bom.
Ela saiu, ele tomou o seu lugar no banco da frente. Aliviada, ela não resistiu a uma pequena vingança:
— Bem-feito. Você agora vai sentado bem no meu xixi.
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