sexta-feira, março 04, 2011

CLAUDIA SAFATLE

Ou o PIB cresce ou a inflação cai
CLAUDIA SAFATLE
VALOR ECONÔMICO - 04/03/11


Crescer 5% e derrubar a inflação para o centro da meta de 4,5% são objetivos incompatíveis. Para cumprir um, será preciso sacrificar o outro. Assim, faz pouco sentido o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sustentar que a economia este ano vai crescer 5% - conforme consta do Orçamento da União - e o Banco Central ter como missão fundamental derrubar a inflação dos atuais 6% para 4,5%.

Mesmo que o BC decida e comunique, no próximo Relatório Trimestral de Inflação, que a convergência do IPCA para a meta se dará ao longo de 2012, essa será uma missão difícil de ser cumprida.

Com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 7,5% no ano passado e pressupondo um INPC de 6% este ano (acumulado em 12 meses até janeiro o INPC era de 6,53%), o reajuste do valor do salário mínimo de 2012 será de 13,95%. O fato é que depois de todo o esforço do Plano Real para desindexar a economia brasileira, o governo Lula superindexou o salário mínimo. E, no momento em que a luta contra a aceleração inflacionária se torna o centro das preocupações, a presidente Dilma Rousseff reforçou o compromisso de reajustar o piso salarial pela inflação passada mais o PIB de dois anos anteriores. Com isso, o alcance do centro da meta de inflação torna-se uma tarefa nada trivial.

Cálculos feitos por analistas de bancos apontam que a economia teria que crescer a uma taxa ligeiramente inferior a 3% para o BC conseguir reduzir a inflação para a meta de 4,5% no ano que vem.

Toda escolha, em economia, tem benefícios e custos. É o "trade-off". Diante desse quadro, o governo teria duas possibilidades: aumentar o esforço da política anti-inflacionária agora - com mais juros e rigor fiscal -, aceitando um crescimento mais modesto, ou adiar a convergência da inflação para o centro da meta para 2013, por exemplo, sabendo que quanto mais demorar, mais difícil será atingi-la. Inflação elevada por muito tempo estimula os mecanismos de indexação, que já não são poucos, tornando os preços mais resistentes à queda.

Apesar do crescimento de 7,5% em 2010, hoje o PIB cresce em patamar compatível com o seu potencial, embora esse seja um dado que não se sabe ao certo qual é. O BC indicou que o produto potencial vinha aumentando para algo na casa dos 5%. Economistas do setor privado, porém, consideram que ele caiu no pós-crise global, em consequência do subinvestimento, para cerca de 4,5%. Seja lá qual for o produto que abriga a demanda agregada e, portanto, não pressiona a inflação, o fato é que se a economia este ano ficar no limite do PIB potencial, o que se conseguirá será manter a inflação no patamar atual.

A decisão do Copom de elevar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, quarta-feira, não surpreendeu o mercado, mas também não agradou. Alguns bancos, ontem, adicionaram mais um aumento aos já previstos de 0,5 e 0,25 pontos percentuais nas próximas duas reuniões do Copom, esticando a duração do ciclo de aperto monetário. E várias consultorias estão rebaixando o crescimento do PIB para a casa dos 3% este ano.

Nas considerações do Banco Central para optar pelo aumento gradual da taxa Selic constam um leque de argumentos: o estoque de medidas já tomadas cujos efeitos se acumulam este ano, a desaceleração do PIB desde o fim de 2010, a redução da taxa de ocupação no mercado de trabalho, e a crença do mercado de que o esforço fiscal deste ano pode produzir um superávit de 2,7% do PIB nas contas públicas, uma performance bem melhor que a do ano passado. A correção do salário mínimo deste ano não comportou aumento real e isso retirará poder de compra de praticamente metade da população economicamente ativa que recebe o piso. Somam-se a essas razões as incertezas sobre os efeitos das revoltas no Oriente Médio nos preços do petróleo, sobre a reativação das economias industrializadas e sobre os rumos dos preços das commodities.

A taxa de desocupação, conforme dados da última Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, era de 5,3% em dezembro e subiu para 6,1% em janeiro, o que seria um indicador de que a pressão do mercado de trabalho, em situação de pleno emprego, sobre a inflação tenderia a diminuir.

Avalia-se, no governo, que quem ficou insatisfeito com a decisão do Copom foi uma minoria do mercado. Pesquisa de opinião feita pelo BC em bancos, no início da semana, indicava que 85% das instituições estavam prevendo aumento de 0,5 ponto percentual da taxa de juros e apenas 15% esperavam 0,75 ponto percentual.

A deterioração das expectativas, no entanto, que tem sido sistemática desde o fim de 2010, já contaminou as projeções de inflação de 2012. Há duas semanas que o relatório Focus, do BC, revela que a variação do IPCA esperada pelo mercado para o próximo ano é de 4,78%. Isso poderia ser visto como um indício de desconfiança dos agentes econômicos na força do BC para agir.

Os próximos meses serão delicados para as expectativas de inflação. Até o fim de março 40% dos preços administrados terão sido reajustados e só a inflação desse conjunto de preços deve chegar a 4%.

A esperança do governo é que a partir de abril o clima entre os agentes econômicos esteja menos pessimista. Até lá os cortes dos gastos públicos já devem começar a aparecer e o impacto das medidas prudenciais do BC vai estar mais claro. Com isso, espera-se também que o ambiente econômico comece a se descontaminar dos ceticismos e descréditos de hoje. Entre julho e setembro o IPCA deverá furar o teto da meta, por efeitos estatísticos, mas a inflação futura poderá ser bem melhor que a passada, argumentam fontes oficiais.

A opção pelo gradualismo na política monetária é algo que tem sido questionado por especialistas em regime de metas para a inflação. Há quem defenda que em casos de deterioração das expectativas, como agora, o melhor mesmo é aplicar a receita de Maquiavel: fazer o mal de uma só vez.

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