O novo e o velho no governo
Rolf Kuntz
O Estado de S.Paulo - 19/01/11
O Brasil vai conhecer nesta quarta-feira a nova cara do Banco Central (BC). A mudança, se houver alguma, será muito limitada, segundo a avaliação dominante no mercado financeiro. A maior parte dos analistas aposta numa alta dos juros, para conter a inflação e reconduzi-la, gradualmente, ao centro da meta, 4,5%. Esse aumento foi quase prometido no último relatório trimestral do BC, divulgado em dezembro. A ideia de continuidade tem parecido natural, porque o novo presidente, Alexandre Tombini, já era da equipe e, além disso, participou da implantação do sistema de metas em 1999. Os primeiros grandes lances da autoridade monetária, neste ano, foram na área cambial e respeitaram os padrões em vigor. Corresponderam, portanto, à expectativa de continuidade. Se o roteiro for mantido, porta-vozes da indústria e do comércio continuarão tratando o BC como um saco de pancadas. O ritual de malhação será repetido depois de cada reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária.
Sinais de mudança - alguns positivos - apareceram, por enquanto, em outras áreas do governo. São, até agora, apenas sinais e podem resultar em nada. Mas não se deve, neste momento, menosprezá-los. O primeiro indício importante foi a promessa de um forte ajuste nas contas públicas.
Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, será definido em breve um corte definitivo - algo muito mais sério que bloqueio temporário, ou contingenciamento, adotado em todo começo de ano. Se a promessa for cumprida, será uma novidade de peso, especialmente se o corte for calculado para garantir um superávit primário pelo menos equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB).
Melhor, ainda, se esse for o primeiro passo para uma ampla arrumação das contas públicas, submetidas por vários anos a uma festiva gastança. Falta conferir se o governo será capaz de manter um compromisso com a austeridade e com a qualidade do gasto - promessa da presidente - ou se tudo não passou de um surto passageiro. As pressões políticas são contrárias a qualquer esforço de seriedade fiscal. Os congressistas tomaram a dianteira, inflando os gastos do Legislativo. Neste ano, a folha do Congresso consumirá R$ 6,2 bilhões, R$ 860 milhões a mais que em 2010, em salários e encargos sociais. Todo esforço de mudança será confrontado com obstáculos desse tipo.
Quanto aos partidos da base, dificilmente apoiarão qualquer política efetiva de seriedade fiscal. O próprio PT nunca aceitou esse tipo de compromisso e jamais deixou de participar da farra das emendas e de apoiar o aparelhamento e o empreguismo. O governo Lula aumentou de 18,4 mil para 21,8 mil os cargos de livre nomeação nos ministérios e órgãos subordinados ao Executivo e elevou o salário médio dos ocupantes, ampliando o bolo destinado ao banquete dos companheiros e aliados. Para cumprir suas promessas de seriedade fiscal e de valorização do profissionalismo, a presidente Dilma Rousseff terá de seguir o caminho oposto e renegar, portanto, a promessa de continuidade.
Mas a presidente já se mostra mais cautelosa em relação aos anúncios de mudanças. Em apenas duas semanas, abandonou o compromisso de reformas apresentado no discurso de posse. Segundo a reavaliação oficial, grandes projetos de reformas envolvem custos políticos muito maiores que os benefícios. Segundo esse raciocínio, é mais prático tomar o caminho das alterações parciais.
Pode ser, mas grandes inovações foram realizadas nos anos 90 porque o governo se dispôs a enfrentar negociações complicadas. Assim se impôs disciplina a Estados e municípios, assim se resolveu o problema dos bancos estaduais, assim se restabeleceu a política monetária, assim se aprovaram as leis de responsabilidade fiscal - tudo isso, naturalmente, contra uma resistência feroz do PT.
Mas, se a presidente estiver mesmo disposta a fazer algo importante, mesmo sem grandes projetos de reformas, ainda enfrentará muitos adversários. O primeiro pacote de mudanças deverá ser proposto em breve, segundo o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. O pacote incluirá medidas para elevar a competitividade das empresas. O começo talvez seja suave. Mas a oposição aumentará, quando o governo quiser mexer, por exemplo, nos custos trabalhistas ou nos impostos estaduais. Se os propósitos forem realmente sérios, o teste será cada vez mais difícil. O resultado, nesse caso, será a descontinuidade, a negação do governo das facilidades mantido nos últimos oito anos.
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