sexta-feira, janeiro 07, 2011

ALON FEUERWERKER

Tara reformista
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 07/01/11

Há alguma polêmica sobre a autoria da famosa frase atribuída a Otto von Bismarck, a das leis e salsichas (se as pessoas soubessem como são feitas, não confiariam nem numas nem noutras). Mas um ponto é consensual: dificilmente haverá no planeta algo parecido com a salsicharia canarinho. 
Aqui os vereadores, deputados e senadores são julgados pelo número de projetos de lei que apresentaram, ou aprovaram. E governar, ao menos no plano federal, é editar medidas provisórias, o nome bonito que os constituintes inventaram para perenizar o instituto ditatorial dos decretos-leis. 
O presidente da República legisla ad referendum do Congresso, e (quase) todo mundo acha normal. 
Isso quando não tentam transformar a Constituição numa colcha de retalhos, num depósito de penduricalhos, mais do que já é. 
E na salsicharia não tem crise ou recessão. Ultimamente, todo começo de governo é a mesma coisa. O sujeito ganha um mandato nas urnas e sai apregoando a premência das reformas política e tributária. Antes eram quatro, com a da previdência e a trabalhista.
As duas últimas saíram de moda. 
A trabalhista foi desmoralizada pelas estatísticas que o governo anterior produziu sobre a criação de postos de trabalho. 
Os números trazem alguns mistérios para a ciência econômica, como a suposta criação líquida de um milhão de empregos formais em 2009, ano em que a economia amargou uma recessão de 0,6%. Mas não há dúvida de que no governo anterior se produziram empregos aceleradamente. 
E sem tirar um mísero direito trabalhista. Nenhunzinho. 
Outra reforma que anda em baixa é a da Previdência Social. O governo anterior manteve o Congresso Nacional e a opinião pública entretidos com ela no primeiro ano, 2003, para em seguida desencanar completamente da dita cuja. 
Talvez seja a única premente, dado o rápido envelhecimento da população brasileira, resultado das taxas declinantes de natalidade e mortalidade. Mas quem vai ser louco de abrir o debate sobre o fim da aposentadoria por idade? A pressão é no sentido oposto, é para acabar com o fator previdenciário. 
Sobram então as reformas tributária e política. Todos (ou quase) estão de acordo, até entrar no debate do conteúdo. 
A tributária enfrenta uma dificuldade. Como organizar o Estado (União, estados e municípios) de modo a 1) cobrar cada vez menos impostos, 2) prestar cada vez mais e melhores serviços e 3) reduzir consistentemente a dívida pública? Quem resolver a equação será candidato a algum Nobel. 
Uma tentação é fazer a reforma manu militari, descendo a dolorosa pela goela de alguns, para alegria de outros. O debate sobre os royalties do pré-sal evidenciou a dificuldade desse caminho. 
Já a "necessidade" da reforma política nasce de uma esperteza. Há problemas na política brasileira. Em vez de discuti-los objetivamente, projeta-se o desejo de uma mudança abstrata. Que poderá ser para melhor, mas também para pior. Aliás, não parece haver no planeta país satisfeito com suas atuais regras político-eleitorais. 
Nem deve haver país com uma tara reformista comparável à nossa. 

LongoAinda falta a batida final do martelo pela presidente da República, mas o debate sobre o novo marco regulatório das comunicações vai ser objeto de ampla e prolongada consulta pública antes de ser enviado ao Legislativo. 
Esse "antes" é a chave da coisa. É um caminho intermediário entre 1) simplesmente ignorar o trabalho produzido no governo anterior e 2) injetar a polêmica agora diretamente no Congresso Nacional. 
O governo espera que um longo debate público pré-legislativo, a ser eventualmente coordenado pelo Ministério das Comunicações, cuide de resolver as maiores polêmicas antes de o texto desembarcar nas mãos de deputados e senadores. 
Ou seja, o que o Planalto menos deseja nesta altura do campeonato é uma polarização política prematura, que arraste o governo nascente para uma agenda negativa no Legislativo e na imprensa. 

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