Podem tudo
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 25/09/10
O caso Neymar – jogador desrespeita colega e treinador; treinador o barra do time para puni-lo; clube fica com o jogador e dispensa o treinador – ainda pode render uma reflexão. Tem a ver com a importância histórica dos nossos clubes de futebol (e de outros esportes) na formação dos jovens brasileiros.
Já me perguntei o que teria sido de milhões desses jovens no século 20 sem o Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo e os clubes de outros Estados. Não me refiro apenas aos que jogaram futebol por esses clubes, mas aos que foram acolhidos por eles para remar, correr, saltar, nadar, lutar boxe ou judô, jogar vôlei ou basquete.
Minha estimativa é que uma grande quantidade teria encontrado seu destino nas ruas, no crime e na morte violenta. Diante da ineficiência do Estado para oferecer esporte aos garotos, nisso incluído o sistema de ensino, coube aos clubes, entidades particulares, cumprir o papel. E os beneficiados não foram apenas os meninos de classe média, filhos dos associados, mas pessoas como Ademar Ferreira da Silva, que saltou pelo São Paulo e pelo Vasco, ou José Telles da Conceição, pelo Flamengo – ambos saíram da pobreza para a glória olímpica nos anos 50.
Havia um contrato mútuo: o clube se orgulhava de seus atletas e estes de pertencer aos clubes. Seus dirigentes eram pais amorosos, mas severos. Os jovens aprendiam noções de hierarquia, responsabilidade e respeito. Tal atitude não se limitava aos esportes amadores, mas estendia-se ao futebol profissional.
Ao preferir a indisciplina de Neymar à disciplina de Dorival Júnior, o Santos comportou-se como os colégios que, ao ver um aluno desrespeitar um professor, demitem o professor. Como Neymar é uma figura pública, o ato do Santos sinaliza para milhões de jovens brasileiros que eles podem tudo e não devem nada a ninguém.
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