Um assunto delicado
FÁTIMA DA SILVA GRAVE ORTIZ
O GLOBO - 27/09/10
As eleições são momentos privilegiados de debate sobre temas que atravessam nossa vida em sociedade.
Um deles, presente nos discursos e propostas dos candidatos, refere-se à polêmica questão do aborto. Ora criminalizando as mulheres que voluntariamente optam pelo aborto, ora reconhecendo a questão como problema de saúde pública, o fato é que os brasileiros precisam se debruçar sobre este tema, a exemplo de muitos outros países, como recentemente o fez Portugal, que tornou legal a sua prática.
No Brasil, o aborto é legalmente permitido apenas em algumas situações: quando envolvem estupro ou há comprovada existência de anomalia fetal. Contudo, mesmo nestas situações, além de a mulher ter que expor seu caso, a despeito de ampliar seu sofrimento, deve ainda se submeter a autorização judicial, cabendo à Justiça, portanto, a decisão final sobre uma questão de ordem íntima e pessoal. Segue-se a isso o agravante de haver poucas unidades de saúde públicas disponíveis para a realização do aborto.
No entanto, por não se enquadrarem nestes critérios, muitas mulheres optam pela prática do aborto clandestino e inseguro, em alguns casos morrendo ou se submetendo a sequelas irreparáveis. Sempre são criminalizadas e discriminadas porque socialmente a responsabilidade exclusiva pela gestação recai sobre a mulher. Ora, se a "responsabilidade" é dela, por que não permitir que ela realmente decida, tendo em vista os impactos que o aborto provoca na sua vida? São vinte milhões de abortos inseguros no mundo por ano; trata-se da quarta causa de morte materna, e este ônus geralmente recai sobre um grupo específico de mulheres: pobres e negras, confirmando um processo histórico de criminalização de gênero, raça e classe social.
A mulher deve ter o direito de decidir e o Estado laico deve empreender o marco legal necessário para pôr fim à criminalização do aborto, legalizando sua prática e criando serviços especializados com profissionais e rotinas institucionais capazes da sua realização. A legalização do aborto comprovadamente não gera o aumento dos casos. Ao contrário: todos os países que o legalizaram não observaram sua ampliação.
Defender a legalidade do aborto significa reconhecer o direito cidadão da mulher de decidir sobre a maternidade. Significa reconhecer a mulher como sujeito, portadora de direitos civis, políticos, sociais e humanos, entre eles o direito à vida e de ser legitimamente mãe. Coerente com o código de ética que orienta os profissionais, nosso 39oEncontro Nacional dos Conselhos de Serviço Social, realizado recentemente em Florianópolis, aprovou a defesa da legalização do aborto como passo para que esses direitos se tornem realidade.
FÁTIMA DA SILVA GRAVE ORTIZ é presidente do Conselho Regional de Serviço Social-RJ e professora da Escola de Serviço Social da UFRJ.
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