Qual oposição?
DENIS LERRER ROSENFIELD
O GLOBO - 27/09/10
Em recente evento no Secovi-SP, o presidente da instituição, João Crestana, numa mesa redonda, colocou a seguinte questão: "Qual o papel da oposição em um mais que provável governo Dilma Rousseff?" De minha parte, respondi: "Qual oposição? Não consigo bem entender a pergunta!" A questão provocou uma indagação relativa ao que tem sido o exercício das oposições e, mais particularmente, dos tucanos na campanha presidencial.
Com efeito, a oposição não agiu enquanto tal, salvo, agora, de uma forma atabalhoada, quando a derrota se vislumbra no horizonte imediato. Uma oposição digna desse nome deveria ter apresentado propostas, mostrado o seu contraste com o governo, expondo o que fez no passado e sugerindo medidas alternativas. Não deveria ter se escondido enquanto oposição, fingindo ser uma outra forma da situação.
A oposição tucana alçou Lula a um pedestal, como se ele estivesse acima do bem e do mal. Colocou-se em uma espécie de servidão voluntária, na posição de continuação do atual governo, interditando-se qualquer crítica ao atual mandatário. A chiadeira atual de que ele está ameaçando as instituições nada mais é do que o resultado de sua incompetência, o fruto desse reconhecimento preliminar de que a condenação do atual governo não deveria fazer parte de sua agenda política. É o estertor de uma política que não deu certo! Neste sentido, foi forjada a ideia de que Lula não é o PT. Logo, se ele não é o PT, como sua criatura seria a representante mesma do partido? Ela deveria ser "lulista" e não "petista", se essa distinção fizesse sentido. Em certo sentido, porém, ela faz sentido, porque Lula se mostrou maior do que o PT. Entretanto, em outro sentido, Lula é também o partido, sendo seu fundador e seu mais eminente representante. O fato de ele ter se afastado das posições mais radicais do seu partido não o faz um não membro partidário. Lula não existiria sem o PT.
Não deveria, pois, surpreender a declaração do ex-ministro José Dirceu de que a diferença principal entre Lula e Dilma reside em que o primeiro é "duas vezes o tamanho do PT", enquanto Dilma é menor do que o partido.
O que disse foi simplesmente uma verdade. A celeuma, nesta perspectiva, não tem nenhuma razão de ser, na medida em que pode ser constatada por qualquer pessoa preocupada em compreender a realidade tal como ela é. Outra pessoa tivesse dito a mesma coisa, a controvérsia nem teria se estabelecido, nem os juízos de valor sobre a pessoa que o enunciou.
A propaganda eleitoral tucana que trata o ex-ministro como um representante do "mal" é somente uma forma de continuar preservando a figura de Lula como encarnando o "bem", procurando, desta maneira, atingir a candidata Dilma. Não dá para entender. Ficase com a impressão de que José Dirceu é ainda ministro da Casa Civil ou mesmo candidato, ou ainda, que Dilma é sua criatura. A confusão é total. O exministro foi, mesmo, utilizado como bode expiatório do próprio Lula que, assim, se preservou. Em linguagem lulista, uma vez tendo entregue à execração o seu ministro mais importante, dedicou-se, depois, a reescrever a história, apresentando o mensalão como uma "tentativa de golpe". E a oposição o que fez? Vociferou sem muita convicção e caiu no jogo, jogo esse que mostra agora o seu desfecho.
Consequentemente, o PT tende a ter um maior protagonismo no governo Dilma. Nada mais normal para um partido que vence a eleição. Qualquer partido vencedor tende a assumir essa posição.
A questão, porém, não reside aqui, mas no que significa o PT novamente no poder. Formadores de opinião e setores do empresariado contentaramse com os dois mandatos de Lula por ter esse se afastado das posições mais radicais do seu partido. Festejaram a ruptura que não houve, embora tivesse sido anunciada.
Criou-se, assim, a ficção de que Lula não é o PT e que as posições mais revolucionárias do partido estariam descartadas.
Não o foram, pois elas continuam animando boa parte de suas tendências.
Acontece que o PT não é um bloco, que pensa de uma maneira uniforme.
Ele só o é em período eleitoral, porque o objetivo maior, a conquista do poder, torna-se um forte fator de coesão interna. Suas distintas alas se congregam desse modo, embora essa coesão seja também passageira, pois dará logo lugar às divergências explícitas entre suas várias correntes. Trata-se de algo difícil de compreender para os tucanos, que não conseguem se unir nem em período eleitoral, expondo, mesmo, suas divergências em público.
O período que se abre em um mais que provável governo Dilma é o de como o PT vai resolver suas contradições internas. Aquilo que se convencionou chamar de "lulismo", o que outros chamam também de "pragmatismo" petista, expressa a predominância de correntes internas que optaram por abandonar a ruptura com o capitalismo, visando à instauração de uma sociedade socialista autoritária no Brasil. Apesar de o discurso ideológico não ter essa clareza, devido precisamente às disputas internas, o embate que se anuncia é o de se o PT perseverará na gestão responsável do capitalismo, em uma via social-democrata de inclusão social, ou se optará por voltar à suas políticas irresponsáveis de antanho.
O PMDB, não esqueçamos, faz parte da aliança governamental e pelas boas e más razões não embarcará em uma aventura revolucionária. Quando mais não seja para não perder os benefícios que extrai do status quo. A atual situação lhe é mais do que favorável e tudo fará para que ela não se altere. Ele continuará compartilhando do "pão", talvez com mais voracidade. Há um novo jogo aqui, o jogo das disputas internas do PT, que se complexificará com a atuação do PMDB, procurando ocupar os mesmos espaços. As oposições, que sairão derrotadas desse pleito, serão, em um primeiro momento, meras expectadoras.
Terão, preliminarmente, de responder a pergunta "Qual oposição?", se pretenderem, em um segundo momento, um papel de protagonismo.
DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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