quarta-feira, junho 09, 2010

BRASIL S/A

Ponto de ebulição
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 09/06/10


Depois de quase ferver no 1º trimestre, o PIB seguirá quente, mas em ritmo menor, para não derramar


Se já estava em evidência no mundo, a economia brasileira deverá dividir o centro das atenções com a China, depois de confirmado o forte crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no início do ano.

A economia cresceu 9% no primeiro trimestre sobre o mesmo período de 2009, conforme apurou o IBGE, e 2,7% sobre outubro a dezembro. A expansão na margem, como os economistas se referem à variação de um trimestre para outro, superou todas as expectativas, crescendo 11,2% anualizada (isto é, 2,7% mantidos por quatro trimestres).

Trata-se de ritmo de crescimento chinês. Mas falamos “ritmo”, com o sentido de velocidade, não de crescimento absoluto. Na China, a economia cresce acima de 10% ao ano, de fato, não anualizada — o que se compara com a taxa de 9% do PIB brasileiro no 1º trimestre.

Não procede, portanto, a comparação absoluta, apenas a relativa, já que a China não divulga a variação trimestral encadeada do PIB, ou seja, na margem. Isso impede a comparação da taxa anualizada, que é como o desempenho do PIB é divulgado nos EUA, com a China.

O PIB brasileiro veio forte, mas não é o chinês, como a candidata Dilma Rousseff, por exemplo, comparou. “Está crescendo 11%”, disse ela a uma rádio. “Nem na China, não é?” Não é. Mas poderá ser, já que lá, como aqui, o governo, por meio do Banco Central, pisou no freio, subindo juros e dificultando o crédito, com receio de que o crescimento acelerado da economia descambe em inflação e bolhas.

Para Dilma, o PIB deverá chegar ao fim do ano com crescimento de 6,5% a 7%, já refletindo a menor expansão da economia nos próximos trimestres. É uma aposta mais realista que a projeção feita semana passada pelos Ministérios do Planejamento e da Fazenda na revisão das contas fiscais, incluindo a da arrecadação tributária: 5,5%.

Para tal resultado, segundo o economista Fernando Montero, não é o ritmo de crescimento que teria de cair, senão o próprio PIB — o que está fora de questão. Se o crescimento nos próximos trimestres desabasse a zero, diz Montero, ainda assim o PIB no ano cresceria 6% em relação a 2009 (quando a economia recuou 0,2% sobre 2008).

Investimento brilhou
Assim é a política. Para esconder receita, temendo a boca grande de seus aliados no Congresso, o governo subestima o PIB. Quando é para se exibir, o exalta. “Vivemos um momento de ouro”, repercutiu o presidente Lula. O momento é radiante. Já o processo depende das prioridades. Pela ótica do investimento, o futuro parece seguro.

Os investimentos foram o destaque no mapa do PIB. De um trimestre para o outro, a formação bruta de capital fixo — FBCF, conforme o jargão, sinônimo de investimento — cresceu 7,4% (33% anualizados). E 26% em relação ao 1º trimestre de 2009. Foi o terceiro trimestre seguido em que o investimento avançou acima da variação do PIB — o dado relevante para o crescimento sem pressão inflacionária.

Perfis de crescimento
Uma coisa é a economia ganhar massa com aumento do consumo frente a uma situação em que falta produto para atender a demanda. Assim acontecia com a retomada da economia até o estouro da crise global em setembro de 2008. Outra é o crescimento fermentado pelo consumo bancado por dívidas, importações, deficits e baixo investimento.

É o cenário dos EUA e da Europa, afora Alemanha, Holanda e países nórdicos. Por fim, há o crescimento com o padrão chinês, em que a demanda é puxada pelo investimento, a poupança interna é elevada e superavits externos obesos ancoram a taxa cambial. Não é factível no Brasil, uma democracia. O meio termo já estaria muito bom.

Ou governo ou consumo
No Brasil da retomada pós-crise, o investimento saiu na frente, o consumo de famílias também deu um salto olímpico, mas vem correndo atrás e perde ritmo há três trimestres, embora continue em patamar elevado. Na variação intertrimestral, cresceu 1,5%. O objetivo do BC ao acionar a Selic é segurar o crescimento do consumo privado.

Assim o faz, normalmente, para abrir espaço à expansão do gasto público e/ou do investimento. Do 3º para o 4º trimestre de 2009, a fatia do consumo do governo no PIB cresceu 0,6%, e aumentou para 0,9% o passo no início de 2010. No mesmo período, o crescimento do consumo das famílias recuou de 2,1% para 1,5%.

Em parte, a inflação não desembestou devido à troca de um pouco menos de gasto privado por mais gasto público. Tais movimentos são pouco compreendidos, sobretudo quando se fala em dilatar o Estado. Para que isso ocorra com estabilidade, o gasto das pessoas encolhe no agregado, em vez de aumentar. No governo, acha-se o contrário.

Regras da boa gestão
O que na política poucos percebem é que os governos não criam riqueza, apenas a transferem de um bolso para o outro. É o que lhe cabe fazer em muitas situações. O que cabe atentar é para o custo de gestão desse processo, ou seja, o tamanho do Estado, e se o ato de promover o bem seletivo não estaria provocando o mal coletivo.

A condução da política monetária visando à estabilidade à custa do consumo privado, o que inclui pessoas e empresas, é discutível, se ao mesmo tempo o governo expande o seu gasto, e não o faz pelo investimento em infraestrutura e apenas pelos mais pobres, mas no miolo da administração, em atividades meio já bem remuneradas.

Tal questão não é matéria do campo neoliberal, mas de princípios da boa gestão pública. A maioria dos políticos se cala sobre isso.

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