Diplomacia de mercado
O ESTADO DE SÃO PAULO - 03/04/2010
Desde 1995 nossa diplomacia se vem empenhando por uma posição de maior relevo para o Brasil no cenário mundial. Do ponto de vista econômico, vários fatores influenciaram esse empenho: maior abertura da economia para o comércio internacional; estabilidade monetária alcançada com o Plano Real; crescimento e maior inserção competitiva das exportações; e imagem de respeito a contratos e compromissos com capitais e investimentos estrangeiros. Não é pouco para um país situado nesta periferia latino-americana, de muita turbulência e escassa credibilidade.
Cabe lembrar, todavia, que papéis relevantes em escala mundial dependem de uma multiplicidade de fatores que transcendem o desempenho econômico. Tais papéis são reservados a países capazes de gerar cultura, conhecimento, tecnologia e inovação. Num mundo tão afeito a conflitos, é igualmente importante dispor de Forças Armadas com capacitação material e humana para a função primordial de dissuasão. E não menos importante é a capacidade de difusão consistente de valores morais no cenário mundial, que até países pequenos e frágeis podem ter.
Diplomacia bem-sucedida, portanto, é aquela que consegue atuar em função de fatores econômicos, culturais, tecnológicos e de consistência moral. O respeito no concerto das nações decorre naturalmente da coerência de suas ações. Priorizar os fatores econômicos pode conduzir a equívocos e fracassos, principalmente quando não se tem uma visão clara das escalas envolvidas. Se, de um lado, é incontestável o extraordinário crescimento das exportações brasileiras - que passaram de US$ 47 bilhões, em 1995, para US$ 198 bilhões, em 2008 - não se pode esquecer de que a nossa participação no comércio mundial de mercadorias variou de 0,9% para apenas 1,2%. O mesmo ocorre para a soma de exportações e importações. Quanto ao comércio de serviços, em 2008 o Brasil detinha 0,8% das exportações mundiais e 1,3% das importações. Por outro lado, a participação das exportações no PIB brasileiro é de 12% e o seu valor per capita é de apenas US$ 1.030. Das nossas exportações, 54% são produtos primários e, das importações, 70% são manufaturados. Sendo o 8.º PIB mundial, o Brasil ocupa o 22.º lugar no ranking dos países exportadores.
Pois bem, a busca obcecada pelo incremento das exportações levou nossa diplomacia à busca da diversificação de mercados, tentando consolidar novos nichos. Passou a agir de acordo com interesses fragmentados, para viabilizar a venda de mercadorias e serviços. Portanto, uma diplomacia de mercado, servindo de suporte à expansão de grupos empresariais. Esse pode ser um papel importante no trabalho dos diplomatas. Mas, no afã de desempenhá-lo, dispersaram de tal modo seus esforços que acabaram por considerar como prioridade diplomática qualquer país com pequeno potencial de comércio. Acabou-se chegando a uma diplomacia de mercadinho, desprezando grandes oportunidades com parceiros tradicionais. Mas o problema maior foi o do abandono de valores morais sedimentados desde os tempos de Nabuco e Rio Branco.
A busca de mercadinhos transformou-se em bajulação aos regimes políticos mais desprezíveis do nosso tempo. O mais interessante é que essa política de caixeiro-viajante, promovendo a venda de produtos em locais novos ou pouco explorados, foi vestida com uma roupagem ideológica "de esquerda"! Roupagem tão inadequada à democracia brasileira e ao respeito conquistado que imobiliza nossos diplomatas na condenação de regimes - de direita, esquerda ou "meia-volta, volver" - contumazes violadores dos direitos humanos.
Em vez de marcar a diferença, projetando o Brasil como potência econômica responsável e confiável, os mentores da diplomacia de mercadinho enveredaram por tortuosos caminhos de uma ideologia obscura e retrógrada. Uma sucessão interminável de equívocos está pondo em risco a credibilidade conquistada a duras penas. Lembrando o grande Millôr Fernandes, esperemos que o fracasso não lhes suba à cabeça...
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