sábado, abril 03, 2010

BRASIL S/A

Algemas de ouro
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 03/04/10

Dilma reluta em sair da sombra, e Lula segue como o astro de um espetáculo em que é coadjuvante


Elétrico como ursinho de pilha da propaganda, que continua em pé enquanto os da concorrência vão caindo, o presidente Lula resiste a sair de cena, o que fará da eleição presidencial, parafraseando ele próprio, um caso “nunca antes visto na história deste país”.

O tucano José Serra, principal candidato de oposição, faz de tudo para não afrontar o seu governo, com receio da enorme popularidade acumulada por Lula, mas ainda não repassada a Dilma Rousseff, que reluta em sair da sombra protetora do mentor. Na prática, Lula vem sendo o candidato. O que a princípio pareceu para muitos no PT um blefe era realidade. E agora tem jeito de desafio pessoal.

Por que Dilma e não outro petista mais experiente eleitoralmente? Nem no partido as respostas são conclusivas. A mais comum especula que com Dilma, sem pretensões políticas, seria mais fácil para ele voltar a concorrer em 2014. Com ela ganhando ou perdendo, estaria mantido o “vácuo construído” no PT, segundo um cardeal petista.

É a metáfora para a falta de lideranças que rivalizem seu poder. Quem o tinha de fato no PT, como José Dirceu, ou o construía de fora para dentro, como Antonio Palocci, caiu em desgraça.

Hoje, mesmo não tendo mais nenhum desafio a superar, à frente de um governo bem avaliado e popular no último ano do mandato duplo como nenhum outro presidente conseguiu, Lula indica que continua inquieto: quer provar que pode eleger quem quiser, até um poste, conforme o jargão da política para candidatos sem voto próprio.

Outros políticos fizeram o mesmo. O então governador de São Paulo Orestes Quércia elegeu Luís Antonio Fleury, seu vice-governador, que nunca disputara coisa alguma. Aécio Neves lançou o seu também vice Antonio Anastásia, administrador de sucesso que jamais provou o gosto das urnas. Atípico no caso de Lula é que ele está a dizer que vai para o tudo ou nada na campanha por Dilma. Virou aposta.

No fim, ainda que não seja a intenção de Lula, Dilma, não apenas Serra e a senadora Marina Silva, que vai concorrer pelo PV, poderá ter de disputar espaço com a sombra de seu mentor para não passar por marionete, conforma troça do ex-presidente Fernando Henrique.

Ela é agradecida a Lula, como mostrou no discurso de despedida da Casa Civil, mas em algum momento terá de se desgarrar e provar que é mais que somente a preferida. Lula conseguirá conter-se?
Como show da Broadway 
Os blocos dos candidatos já estão na rua, mas Lula é quem comanda o espetáculo. E, por ele, assim será por muito mais tempo, como os musicais da Broadway, que ficam décadas em cartaz. Na sexta-feira, lançou um repto: “Vai quebrar a cara quem pensar que eu vou ser um ex-presidente, porque vocês vão-me ver andando por este país”.

É o oposto do que dissera tempos atrás, referindo-se às críticas de Fernando Henrique a seu governo. Ex-presidentes, segundo Lula, não deveriam meter-se em política. Em seu caso, iria recolher-se a seu apartamento em São Bernardo. Mudou ou nunca cogitou a ideia?
Tutelando a sucessora
A resposta não importa. Tanto quanto outros ex-presidentes, todos ativos na política, Lula pode fazer o que quiser depois que acabar o mandato. Suas declarações torrenciais — “falo demais”, admitiu, ao discursar na Conferência Nacional de Educação —, no entanto, o mostram com dificuldade de se imaginar fora do poder.

É mais que só apoiar a eleição de Dilma. Omitir-se equivaleria a jogá-la na fogueira. Mas ele está falando, mesmo sem tal intenção, de tutelar o eventual governo Dilma, se levada ao pé da letra uma parte de seu discurso no mesmo evento em Brasília.

“Eu digo sempre o seguinte”, afirmou. “Quem quiser me vencer vai ter que trabalhar mais do que eu”. Mas quem quer vencê-lo? Serra e os outros querem a vitória, não necessariamente a derrota de Lula.
Quem seria neoliberal 
Quanto mais escapar essa distinção entre Dilma e Lula, pior será para ela demonstrar que, mesmo precisando da ajuda do presidente, tem personalidade, iniciativa e idéias próprias para governar.

Continuísmo não implica continuidade. Talvez esteja aí a fraqueza da estratégia de colar Serra a FHC. Para Dilma é a popularidade de Lula que a beneficia. Só que Serra divergia da política econômica de FHC, assemelhada à de Lula, e não lhe será difícil contestá-la.

Já o faz. Está mais à vontade para chamar de “neoliberal” o Banco Central de Henrique Meirelles que ela, embora ambos quanto a isso devam ter muitos pontos em comum. Lula tem que deixá-la se expor. A eleição ficaria mais realista. E o PT poderia ter sua alforria.
BC põe o PT no divã 
Esta campanha será cheia de contradições. Para Serra, se ele não se desvencilhar da crença fomentada por Lula e Dilma de que seria criatura da política econômica de FHC. Serra é mais próximo do que o PT aspirava. Lula sabe disso. Mas quem se toca? Só Serra mesmo.

E Dilma, se a oposição for competente em colá-la a Meirelles, sem prejuízo dos acertos do Banco Central. E mais agora, depois que o presidente do BC tentou sem sucesso que o PMDB o indicasse a vice na chapa do PT. Ele ficou no BC, segundo disse, a pedido de Lula, contrariando seus companheiros desenvolvimentistas da Fazenda, que sonhavam em pôr a mão na Selic. Se Dilma vencer, é provável que continue influente no governo. E o PT continuará no divã.

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