quinta-feira, março 04, 2010

KENNETH MAXWELL


José Mindlin

FOLHA DE SÃO PAULO - 04/03/10


JOSÉ MINDLIN , que morreu no domingo passado, aos 95 anos, foi uma figura altaneira na cultura do Brasil.
Minha última visita a ele e a sua mulher, Guita, em março de 2004, em sua casa no bairro do Brooklin Paulista, foi realizada em companhia de meu colega Tomás Amorim, atualmente do escritório em São Paulo do Centro David Rockefeller de Estudos Latino-Americanos, da Universidade Harvard.
Tomás, que é brasileiro, havia trabalhado comigo no Conselho de Relações Exteriores em Nova York e posteriormente em Harvard.
Mas, quando era estudante na Universidade de Princeton, ele trabalhara para o dr. Peter Johnson, o incansável bibliógrafo responsável pelas coleções latino-americanas na Biblioteca Firestone de Princeton e grande fã de José Mindlin.
A visita foi memorável, e a recordo com enorme prazer. O entusiasmo de Mindlin por seus livros e por aqueles que amam os livros era contagiante. Lembro a sala de livros antigos, o jardim bonito, a biblioteca principal, o encontro com Cristina Antunes, responsável pelas coleções, e a gentileza de Mindlin e de sua esposa, com quem fora casado por quase 70 anos.
José Mindlin foi um homem notável, exibindo a um só tempo modéstia e grande determinação. Acima de tudo, ele foi um bibliófilo de renome mundial. Desde que adquiriu seu primeiro livro raro, em 1927, aos 13 anos de idade, construiu sistematicamente uma coleção de mais de 38 mil livros, que inclui muitos títulos raros, bem como uma coleção fundamental de livros de temas brasileiros.
Quando o visitei, ele estava em meio a negociações com a Universidade de São Paulo. Por fim, foi fechado um acordo pelo qual ele doou grande parte de sua coleção à USP, onde ficará abrigada em um edifício construído especialmente para isso, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.
A doação de Mindlin é uma exceção extraordinária na história brasileira. Doar uma biblioteca tão rica para uma instituição estatal é praticamente inédito. Mais comum é encontrar fragmentos de coleções célebres com as dedicatórias arrancadas. Ou fora do Brasil.
A biblioteca do diplomata e historiador Oliveira Lima, por exemplo, está na Universidade Católica da América, em Washington, onde é muito pouco utilizada. As grandes pinturas holandesas, um grande legado ao país, devem ser procuradas na Holanda ou na Dinamarca.
Mindlin, no entanto, assegurou que os brasileiros teriam acesso às suas notáveis coleções. E no Brasil.
O Brasil perdeu um de seus mais eminentes intelectuais. Mas ficou como maravilhoso legado a obra de sua vida, que beneficiará por muito tempo aqueles que estudam o país.

KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna. Tradução de PAULO MIGLIACCI

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