Ardis do lulismo
ANTONIO MACHADO
CORREIO BRAZILIENSE - 06/03/10
Governo espera críticas de Serra para assombrar que, com ele, a estabilidade econômica corre risco
Nem que seja para tripudiar, o presidente Lula não abre mão de fazer a “confrontação programática e de realizações” entre o seu governo e o de Fernando Henrique, como voltou a cutucar na sexta-feira. É para o “povo poder escolher com muito mais sabedoria” o sucessor, alegou. Que nada. É para se exibir. Ele não é candidato.
Do alto de sua popularidade, acima de 70% segundo as pesquisas, o que ele mandar a sua candidata Dilma Rousseff vai acatar — e, ao fazê-lo, tornando a eleição plebiscitária, como Lula deseja, ela só vai poder apresentar-se em 2011, caso se eleja, e aí será tarde para o eleitor avaliar o voto. A artimanha de Lula pode funcionar.
A expectativa do lado governista é que a oposição tente empinar a sua candidatura criticando a execução da política econômica, além de tentar fugir de qualquer jeito do tema das privatizações, pouco importa que todas tenham sido mantidas por Lula. O que vale mais é a percepção de que elas estigmatizaram o governo FHC.
Se o adversário tucano de Dilma, provavelmente o governador José Serra, acusar o golpe, Lula marcará uma segunda cruz em sua agenda de campanha. Por preferência política, é difícil que Serra caia na armadilha. Se o fizer, será por pressão de seus apoiadores fora do mundo da política partidária, que é mais propensa ao pragmatismo.
Lula construiu um roteiro com três pontos cardeais para alavancar sua candidata. O primeiro ele já considera realizado: transformar a sua sucessão numa eleição plebiscitária. A segunda é afixar na testa do adversário a bandana de privatista, como fez em 2006 com Geraldo Alckmin, que amarelou. Alckmin, hoje pré-candidato tucano à sucessão de Serra em São Paulo, titubeou diante de Lula.
O início da desconstrução da imagem do ex-presidente começou com essa rata tucana no segundo turno da eleição de 2006. Ela mostrou a Lula a fragilidade programática do PSDB, que já cedera fácil no primeiro governo petista a paternidade dos programas sociais.
No segundo mandato de Lula, até o DNA do Plano Real, obra máxima de economistas do PSDB — e, por ironia, lançado com a desconfiança de Serra em 1994 —, ficou turvado diante não só da estabilidade da economia, mas do próprio crescimento econômico. Hoje, atribuem-se aos sortilégios do governo Lula os bons resultados da economia.
Até a descoberta do pré-sal, resultado de investimentos seriados da Petrobras a partir da década de 1970 — especialmente, depois do fim do monopólio da exploração e lançamento dos contratos de risco no governo FHC —, é associada a Lula e a mais ninguém.
Quem cala, consente
Não há o que culpá-lo: o pré-sal, a recessão breve, a expansão da economia e a sensação de bem-estar social são realidades concretas de seu governo. Problema é da oposição, que não soube reivindicar em tempo a sua parte nesta obra ao passar de vidraça a estilingue.
Ficará ainda mais fácil para Lula, se emplacar sua terceira meta eleitoral: convencer o eleitor de que, não votando em Dilma, os programas que ele aprova, como o Bolsa Família e as obras do PAC, estarão ameaçados. Serra terá de defendê-los e fazer mais: provar que boa parte dessas realizações é vento, e que ele fará melhor.
Refém de sua imagem
O problema para o PSDB se vier com Serra e não com o governador Aécio Neves na cabeça de chapa é o viés economicista grudado à sua imagem. Serra, como candidato, poderá ser percebido como potencial ministro da Fazenda de um hipotético governo Dilma, se der vazão a seu instinto e sair a dizer o que está mal na política econômica.
Ele reconhece problemas de atualização da política cambial, como economistas que o assessoram começaram a revelar, sobretudo com a enorme transparência dada pelo Banco Central aos movimentos com o dólar. É como dar milho na boca de especulador, sugerem. O regime de metas de inflação também, provavelmente, teria ajustes, mas com certeza seria revisitada a operacionalidade da dívida pública.
Tucanos engaiolados
A campanha de Dilma, isto é, Lula, só espera a divulgação dessas ideias serristas para dizer que a estabilidade econômica, pilar da alta aprovação do governo, estaria, veja só, ameaçada com o PSDB.
Incrível é que não haja essa suspeita no QG de Serra. Muito mais safo, Aécio, assumidamente pós-Lula, jamais cairia nesse ardil.
E o que é provável? Com Dilma eleita, parte dessas críticas seja implantada com nova moldura, para o embaraço do PSDB e de sua ala próxima aos mercados e distante da vertente, digamos, progressista do tucanato. Seria divertido, se o nosso não estivesse em jogo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário