Lições do euro
O GLOBO - 06/02/10
Em tempos de vacas gordas, a engenharia monetária que deu origem à zona do euro parecia imune às intempéries.
A situação é diferente hoje, depois da crise econômica que quase levou o mundo a uma segunda Grande Depressão. Uma grave crise atinge os chamados Pigs (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), põe o euro sob forte pressão e abala os mercados mundiais.
A moeda comum, fator de solidez da economia europeia, neste momento se torna um complicador para programas de ajuste daqueles países, pois retira flexibilidade de suas políticas fiscais e monetárias.
Para se ter uma ideia, a Grécia registrou, em 2009, déficit fiscal de 12,7% do PIB (o limite na UE é 3%), com desemprego de 9,7%. Portugal teve déficit de 5,3%, com o desemprego em 10,4%. Ainda pior é a situação da Espanha, com déficit de 11,4% e desemprego de 19,5%.
Isto mostra a complexidade da integração europeia, na qual a vontade política das duas locomotivas — Alemanha e França — muitas vezes atropelou questões econômicas, que mais tarde cobram seu preço. Ambas as alternativas ao alcance de Bruxelas embutem complicadores.
A primeira é montar uma operação de salvamento dos Pigs: será preciso convencer os demais países, seus parlamentos e, principalmente, seus cidadãos, de que é preciso se sacrificar para ajudar portugueses, irlandeses, gregos e espanhóis. A outra seria deixar cada um desses países à própria sorte, mas pode-se imaginar o impacto que o default de um ou de mais de um deles teria sobre o euro e o mercado financeiro.
São lições que devem ser levadas em conta pelo Mercosul, que ainda está muito longe do grau de integração da União Europeia. Nem por isso deve sobrepor a vontade política à realidade objetiva. É o que parece ter acontecido no caso da Venezuela, prestes a se tornar membro pleno com o apoio do governo brasileiro.
Sob o pretexto de que, como membro do Mercosul, é mais viável moderar Hugo Chávez, o bloco deverá acolher — ainda na dependência do aval do Senado paraguaio — um país em rumo oposto ao do Brasil e cuja economia, em frangalhos, poderá criar dificuldades para os demais integrantes do Mercosul.
O fato de não haver unificação monetária facilita a aplicação de terapias específicas em cada uma das economias do Mercosul. Mas a lição que fica do imbróglio europeu é que quase nunca o voluntarismo sai vencedor quando se defronta com intrincados problemas da vida real. Pode ser que o sonho da unificação europeia tenha demonstrado um fôlego maior do que as condições objetivas do continente poderiam permitir.
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