REVISTA VEJA
Betty Milan
Não há vida sem amor
"O amor e as suas variantes, o sucesso e o insucesso
no amor, a fidelidade e a infidelidade, são temas eternos.
O que muda é a forma de lidar com o sentimento amoroso"
O amor foi um dos grandes temas do filósofo grego Platão. Ele distinguia o amor físico, "superficial", aquele em que o parceiro pouco importa, pois só a aventura interessa, do amor celeste, em que o amante ama o amado pela sua alma e o sexo entre eles é um elo forte. Esse amor celeste implica regras de conduta para evitar o comportamento intempestivo dos que se entregam ao amor superficial, também dito vulgar. Platão diz que o amante e o amado devem se cuidar para se tornar bons e sábios – virtuosos, enfim. Na Idade Média, com o surgimento dos trovadores (os poetas líricos), o amor se tornou um tema privilegiado nas conversas das cortes da Europa. Os nobres se perguntavam, por exemplo, se é mais infeliz a dama que perde o seu amante porque ele morreu ou aquela que perde porque ele a traiu; se uma dama traída pelo amante age ou não de forma desleal ao entregar-se a um segundo mais fiel; se um cavaleiro que perde toda a esperança de ver a sua dama, controlada por um marido ciumento, pode ou não se voltar para outra.
Stapleton Collection/Corbis/Latin Stock |
O amor e as suas variantes, o sucesso e o insucesso no amor, a fidelidade e a infidelidade, são temas eternos. O que muda é a forma de lidar com o sentimento amoroso. Nós, hoje, não nos orientamos por regras prefixadas e também não inventariamos os casos possíveis – acreditamos, pelo contrário, que cada caso é único, por mais que guarde semelhanças com outros. Com a descoberta do inconsciente, a ideia da particularidade de cada indivíduo se impôs. Sabemos que ninguém vive o amor da mesma maneira.
Também sabemos que o amor se apresenta como um enigma e nunca se deixa decifrar inteiramente – ele é indissociável do não saber. Assim, no começo dos anos 80, quando um editor me pediu que escrevesse um livro sobre o tema, eu aceitei a proposta – escrevi, porém, que não há como definir o sentimento amoroso. Usei, como epígrafe do livro, uma frase do poeta português Fernando Pessoa: "Anjo... de que matéria é feita a tua matéria alada?".
O caráter enigmático do amor é uma das razões pelas quais nós o amamos e não estranhamos a frase "Se você já não me ama, prefiro morrer". O amor nos faz ver o mundo com olhos de criança, ao oferecer surpresas e nos transportar. Amar é surpreender-se e surpreender-se é viver. Quem se dá conta disso acaba por entender a frase "Navegar é preciso, viver não", que Fernando Pessoa usou como epígrafe da sua obra poética. Ele se apropriou desse lema da Liga Hanseática – que, na Idade Média, reunia militar e comercialmente 150 cidades europeias – para falar de um assunto que hoje diz respeito aos nórdicos, aos portugueses, a todos.
A psicanalista e escritora Betty Milan assina a coluna Consultório Sentimental em Veja.com. Uma vez por mês, ela publica em VEJA um artigo especialmente escrito para a revista impressa
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