sábado, janeiro 09, 2010

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
Quando o Réveillon é hora de acordar
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

A noite do Ano-Novo ainda não terminou para milhares de vítimas da dor. Gente que sepultou filhos, parentes, amores ou amigos. Ou que perdeu a casa, os móveis e todos os bens. Dezenas dormiram felizes para não mais despertar. Réveillon é uma palavra de origem francesa, vem do verbo réveiller, que significa acordar. São meus votos para 2010. Que as autoridades acordem para soterrar décadas de omissão e negligência em todo o Brasil.

Conversei com o presidente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), o arquiteto Luiz Firmino, sobre as causas da tragédia em Angra dos Reis e Ilha Grande que matou mais de 50 pessoas. Há uma equação perversa que envolve irresponsabilidade, subdesenvolvimento e arrogância. De um lado, a falta histórica no Brasil de uma política de habitação para baixa renda. Sem teto nem opção, famílias pobres constroem em áreas vazias e condenadas: manguezais, encostas, berços de rio, rochas – e não podem ser removidas mesmo que estejam sob risco.

Políticos inescrupulosos incitam invasões e prometem regularizar tudo em troca de votos. A elite intelectual se arrepia com muros para conter a expansão de favelas e tem uma síncope quando se fala em remoção – mas nunca visita uma comunidade para ver em que condições se vive ali. Ricos, famosos e influentes usam dinheiro, poder e prestígio para embargar, com liminares na Justiça, a demolição de obras irregulares de mansões, condomínios e pousadas em lagoas e morros. E cometem crimes ambientais sem pudor.

Todo cidadão tem obrigação de, ao comprar casa,
saber se o condomínio tem licença ambiental

Enquanto isso, a pessoa comum que deseja construir num lote se vê enredada numa teia burocrática kafkiana. Desde abril do ano passado, tento aprovar na prefeitura de Teresópolis, serra do Rio de Janeiro, o projeto de uma casa de 50 metros quadrados no lote de uma gleba da Granja Comary. O terreno é praticamente plano, com pequeno aclive. A prefeitura não limpa a rua há cerca de 15 anos, mas cobra IPTU. Depois de o projeto passar pela prefeitura e pela Secretaria de Meio Ambiente (oito meses), me foi dito que o Inea precisava aprovar. O.k. Não sabiam o endereço e deram um telefone inexistente. Na internet, descobri o Inea. Agora, soube que preciso contratar um engenheiro-agrônomo para catalogar todas as árvores do terreno de 1.500 metros quadrados. Ele vai me dizer quais árvores poderei ou não cortar. Para cada árvore cortada, terei de plantar três. Quem paga o engenheiro é o dono do lote. Fico pensando se quem juntou todas as economias para comprar um lote e construir uma casinha teria condições de se submeter a todo esse processo, vir ao centro da cidade no Rio, preencher formulários, contratar um engenheiro-agrônomo. Não, claro.

Ou seja, a legislação ambiental brasileira para construções é hoje muito rigorosa. Será exequível? Um padrão federal que trate da mesma maneira o Rio Amazonas e córregos urbanos, ou empreendimentos milionários e casas simples, funciona na prática? Quem responde é Firmino. “Além de reassentar milhares de famílias e fiscalizar obras, o maior desafio do Inea é ajudar a criar uma política pública de desenvolvimento sustentável. Não existe receita de bolo. Qual é a fronteira de expansão dos municípios? Como lidar com a taxa de crescimento? Em uma região como Angra, turística, se não houver definições e regras claras de onde se podem construir hotéis, vamos acabar com o turismo. De que adianta ter parques nacionais e áreas de proteção, se não discuto estrutura para que as pessoas visitem? Por mais ambientalista que eu seja, não acho que proibir todas as construções seja o caminho para o planeta.”

E mais: todo cidadão hoje tem a obrigação de, ao comprar uma casa em Mangaratiba, Búzios ou Petrópolis, procurar saber se o condomínio tem licença ambiental. Ao se hospedar numa pousada, faça o mesmo. A transformação da cultura passa por aí. Cobrar do Estado sim, mas também fazer nossa parte, sem apelar para o jeitinho sinônimo de contravenção. Não se dá “jeitinho” contra a natureza.

Sem maniqueísmo, sem ideologização do debate, sem demagogia, Réveillon é hora de despertar a consciência.

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