Exportações primárias
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/01/10
A atual reprimarização da pauta de exportações é algo que vai na contramão da nossa trajetória no século 20
O QUE mais preocupa no desempenho da balança comercial brasileira em 2009 não é o resultado em si, com nova queda no saldo, que poderia ser apenas uma decorrência da crise internacional. Os números se tornam mais problemáticos por dois motivos principais. O primeiro é que claramente estamos diante de uma tendência que transcende a crise; se não for revertida, em pouco tempo ela poderá zerar o nosso resultado ainda positivo no comércio externo.
Como temos deficit estrutural na balança de serviços e rendas, ficaremos cada vez mais vulneráveis. O segundo é que assistimos, com surpreendente passividade, à reprimarização da pauta de exportações, algo que vai na contramão da nossa trajetória no século 20. As mudanças estruturais em curso na economia internacional, com o baixo crescimento dos EUA e da zona do euro, de um lado, e a confirmação da China como potência ascendente, de outro, reforçam esse rumo. O grande país asiático, agora nosso maior comprador, quer principalmente soja e minério de ferro. O governo tem sido fraco no tratamento dessas questões, que exigiriam estratégias múltiplas, envolvendo câmbio, infraestrutura e outras iniciativas, além de negociações internacionais menos retóricas e mais efetivas. O tempo está contra nós. Há muito se sabe que, no longo prazo, o comércio mundial evolui desfavoravelmente aos produtores de bens primários. Os trabalhos no âmbito da Cepal no século 20 apontaram pelo menos cinco motivos para explicar essa tendência secular: a) a oferta de bens industriais se ajusta de forma mais ágil e flexível às oscilações da demanda, enquanto a oferta de bens primários é mais inelástica, de modo que, neste caso, os ajustes são feitos, principalmente, via preços; b) a indústria tem maior capacidade de inventar produtos, criando mercados, enquanto os bens primários permanecem sem alterações significativas ou com alterações apenas marginais, dependendo da expansão de mercados tradicionais; c) o crescimento da produção primária tende a ser mais extensivo, com maior utilização de fatores de produção já existentes; d) as barreiras à entrada de novos concorrentes são maiores nos setores intensivos em capital e tecnologia do que na produção de bens primários, que, por isso, ficam mais expostos à competição; e) por fim, aquilo que, a meu ver, é decisivo: à medida que a renda das sociedades se eleva, cresce a proporção da renda destinada a consumir bens com maior conteúdo tecnológico e cai a proporção destinada a consumir bens primários; assim, as economias que se especializam nestes últimos estão condenadas a disputar parcela menor da renda total. O peso relativo e o próprio grau de validade de cada um desses argumentos, vistos isoladamente, pode variar com o tempo, mas não a ponto de alterar o sentido geral da análise. O sistema internacional é estruturalmente assimétrico, pois as posições mais vantajosas são, por definição, excludentes. Só se mantêm na vanguarda, ou se aproximam dela, países e regiões cujas populações realizam cada vez mais trabalho qualificado. A inserção internacional do Brasil, neste momento, aponta na direção oposta. Só um grande esforço, realizado no âmbito de um projeto nacional consistente, poderá alterar esse rumo. Um esforço que não estamos dispostos a fazer, até mesmo porque não há crise iminente. Em nossa história recente, nunca o horizonte de expectativas da nação esteve tão rebaixado. Por isso achamos que está tudo bem.
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