domingo, janeiro 10, 2010

MERVAL PEREIRA

Programa de esquerda

O GLOBO - 10/01/10


A conjugação de fatores internos, como a alta popularidade do presidente Lula especialmente entre as classes mais baixas da população, e externos, como a crise econômica internacional que realçou o papel do Estado na economia, reforçou no pedaço mais radical do PT a crença de que poderiam ser buscados novamente pontos do programa “Um novo Brasil é possível”, aprovado no congresso petista de 2001 em Olinda e abandonado oficialmente durante a campanha presidencial que levou à eleição de Lula em 2002. Muito do que está lá escrito passou a ser colocado em prática no segundo governo Lula, cuja tendência esquerdista vem sendo aprofundada com o passar do tempo

Escrito pelo então prefeito de Santo André Celso Daniel (e não Diadema, como saiu ontem em parte da edição), que seria o coordenador da campanha presidencial de Lula se não houvesse sido assassinado, o programa definia três prioridades que são semelhantes às apresentadas no decreto que cria o Programa Nacional de Direitos Humanos que tantas polêmicas vem provocando: “Os direitos humanos e a cidadania, a reforma das instituições e da representação política e o controle democrático do Estado pela sociedade”.

A substituição de Celso Daniel pelo também ex-prefeito Antonio Palocci na coordenação do programa da campanha de Lula em 2002 foi um ponto de inflexão no esquerdismo da candidatura, dando margem a que fosse divulgada a Carta ao Povo Brasileiro, em que Lula se comprometia com a manutenção da política econômica.

O programa petista original defendia “uma nova correlação de forças na sociedade, para que as esquerdas cheguem ao governo e enfrentem com êxito o problema da governabilidade e do poder”.

A crítica ao agronegócio já estava lá. Além de defender a constituição de “um amplo mercado de consumo de massas” e a universalização das políticas sociais básicas, o documento definia que, para resolver a questão da concentração de renda e riqueza seria necessária a “democratização da propriedade”, com “(...) uma ampla reforma agrária e apoio à agricultura familiar” e “o fim da violência e da impunidade do latifúndio”.

A taxação das grandes fortunas e das grandes heranças também já estava prevista no documento. A defesa de um “Estado forte, dotado de autonomia para a formulação e a gestão da política econômica nacional e da regulação social dos mercados” também estava no documento, com a retomada “de suas funções de apoio e orientação do desenvolvimento”.

O “papel estratégico” do governo em alguns setores como “petróleo, energia, saneamento, bancos, onde a presença das empresas estatais ainda é relevante”, é preconizado naquele documento.

Assim como a mudança do marco regulatório das agências reguladoras, para que o estado recupere “o poder de fiscalização e de controle público”, que foi sendo feita gradativamente, ficando mais explícita no segundo mandato, aproveitando-se principalmente da descoberta do petróleo no pré-sal.

O papel do Estado de reativar o planejamento econômico “para assegurar um horizonte mais longo para os investimentos e implantar políticas ativas setoriais e regionais”, tão defendida por setores como o BNDES, é destaque no documento.

O documento defende o “fortalecimento e a reorientação das instituições especiais de crédito (BNDES, CEF, Banco do Brasil, etc), essenciais para o financiamento de atividades de maior risco ou prazos de retorno mais longos”, como vem sendo feito aceleradamente.

A “Carta de Olinda” defende ainda a preservação do papel do gasto público como “estimulador do crescimento econômico”.

A redução do superávit primário já estava prevista no documento, que define as linhas gerais do modelo econômico que está sendo implantado gradativamente neste segundo mandato Segundo esse pensamento, “a evolução do déficit público não pode estar sujeita a metas de longo prazo ou a concepções anacrônicas e marcadamente ortodoxas e monetaristas que postulam o orçamento equilibrado como um valor absoluto e permanente”.

Um dos pontos da “Carta de Olinda”, que vem sendo recorrentemente tentado pelo governo desde o primeiro ano é a defesa da “democratização” dos meios de informação.

A aprovação na recémencerrada Conferência Nacional da Comunicação (Confecon) de um Observatório Nacional de Mídia e Direitos Humanos para monitorar a “mídia”, com ênfase nas questões ligadas a racismo, diversidade sexual, deficientes, crianças, adolescentes, idosos, movimentos sociais, comunidades indígenas e quilombolas, é gêmea da proposta contida no programa Nacional de Direitos Humanos de punir os órgãos de comunicação que transgredirem normas a serem ditadas por um conselho governamental.

A criação do Conselho Nacional de Jornalismo, que fiscalizaria os jornalistas para evitar “desvios éticos”, é um projeto também recorrente do governo.

A tentativa frustrada de criação de uma Agência Nacional de Cinema e Audiovisual, que daria poderes para o governo interferir na programação da televisão e direcionar o financiamento de filmes, e toda a produção cultural, para temas que estivessem em sintonia com as metas sociais do governo, está sendo retomada em duas frentes: a mudança da Lei Rouanet proposta pelo Ministério da Cultura, que passa a ter critérios subjetivos para o incentivo fiscal, e o incentivo do decreto de direitos humanos.

Também a utilização de instrumentos de consulta da chamada “democracia direta”, como plebiscitos e referendos, tem a ver com antiga pregação de membros do governo, como o ministro da Justiça Tarso Genro, que defende a “exacerbação da consulta, do referendo, do plebiscito e de outras formas de participação” e o controle dos meios de comunicação através de “conselhos de Estado”.

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