É grave. Brasil se acomodou
O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/01/10
O Ministério do Desenvolvimento alterou ligeiramente o resultado da balança comercial de 2009, mas isso não mudou nada. O resultado das exportações é o pior da história, desde que os dados veem sendo levantados, em 1950. E, a não ser que haja uma séria mudança de atitude do governo e dos empresários, o superávit comercial agora de US$ 25,6 bilhões deve diminuir ainda mais neste ano. Com a economia caminhando para crescer 5%, haverá mais mercado para ocupar no mercado interno. Ao mesmo tempo, com a entrada no ritmo atual de investimentos externos, pelo menos até que a economia internacional se estabilize, dificilmente o real irá se desvalorizar e as importações só tendem a aumentar.
Muitos leitores, que criticaram o tom da última coluna perguntam: mas até onde é grave ter um superávit decrescente e até mesmo um déficit na balança comercial?
Infelizmente, mas infelizmente mesmo, essa tem sido a dúvida do governo. Pelo menos, é o que a sua atitude indica. O que importa é manter o crescimento do consumo interno, o tudo o mais a gente arruma.
O fato é que, em termos comerciais, a economia brasileira é uma das mais fechadas e protegidas do mundo. Exporta pouco, importa pouco. Em termos econômicos e comerciais, a diplomacia brasileira é ainda mais fechada ainda.
Sem acordos bilaterais prometidos por Brasília quando a recessão derrubou o comércio mundial. Nada. As regras do Mercosul não permitem. Só que o Mercosul, que na verdade são Brasil e Argentina, não existe mais. Os argentinos estão preferindo a China e não concordam conosco em negociações comerciais.
Uma camisa de força esgarçada pelas crises que se sucedem no país vizinho. Fomos iludidos pela União Europeia que há mais de dez anos prometeu um acordo conosco e o Mercosul. Ouvi isso de diplomatas entusiasmados quando cheguei a Paris, em 1994. Lá se vão 16 anos! Até agora, nada. Os europeus nunca quiseram nada, só exportar mais produtos industrializados para nós.
Fizeram o jogo deles, mas precisávamos ter entrado nesse mercado. Quantas alertas fizemos por meio desta coluna após cada reunião cheia de promessas não cumpridas...
E, por favor, nem me falem de Doha. É a grande farsa comercial da década. E tem gente importante em Brasília que ainda acredita nela. Só está servindo para manter empregos na OMC, em Genebra.
Este cenário, mais a crise mundial, mais a apatia do governo e empresários em questão de comércio exterior, explicam o que está acontecendo.
MAS, ESTÁ TUDO BEM
Brasília diz que tudo anda bem, mesmo com esse comércio exterior anêmico, raquítico, porque não precisamos de superávits comerciais para cobrir o déficit em contas correntes. Os investimentos externos param de entrar, preocupar-se, por quê?
Quanto ao estoque de reservas, nem se fala. O colunista do Estado, Celso Ming, com muita oportunidade, apresenta na sua coluna de quinta-feira um quadro do BC mostrando que as reservas cambiais no momento se elevam a US$ 239,1 bilhões. Em 2002, eram US$ 49,3 bilhões. No governo atual, aumentara nada menos que 385%.
Mais importante ainda, entramos na recessão com reservas maiores que a dívida externa total. Não me lembro de ter visto isso nas minhas cinco décadas de jornalismo.
Deu até para o Banco Central socorrer com folga as empresas quando o crédito externo escasseou. Queimou reservas. Estavam em US$ 180,3 bilhões em 2008, mas aumentaram nos dois anos seguintes com a política do BC de comprar dólares no mercado interno, com levantamentos oficiais e privados feitos no exterior.
Guardar dinheiro ou desfazer-se de dólares quando o país estava em crise? Nunca vi isso em manual de economia algum.
UMA GRANDE CONFUSÃO
Essa situação de folga cambial que oferece certa tranquilidade nas contas externas levou o governo a acomodar-se nos últimos anos. Está confundindo reservas cambiais com geração de emprego, produção, crescimento econômico. Elas podem socorrer em momentos de urgência, sim, como socorreram os bancos e a indústria, mas não podem ser consideradas como elemento de política econômica sustentável.Foram pouco eficazes ao apoiar e estimular as exportações, que recuam.
O Brasil está sendo visto hoje como um país seguro, com grandes reservas cambiais, mas um anão comercial. Anão, sim. Pouco mais de 1% do mercado mundial. Mais grave, um anão que tende a ficar ainda menor se continuar se transformando principalmente em exportador de matérias-primas, produtos minerais, commodities agrícolas e, no futuro, petróleo, que geram mais riquezas onde se consome do que onde são produzidos. Não mais como exportador de produtos industrializados, de tecnologia avançada, para países desenvolvidos.
Perdemos mercado nos EUA e na Europa, mas estamos alimentando a China.
A não ser que se rompa com esse clima de acomodação de que reservas cambiais são investimentos, o resto não importa. O nosso destino é ficar à margem do mercado mundial.
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