quinta-feira, janeiro 21, 2010

FERNANDO VAZ

O fascínio pela tecnologia


O Globo - 21/01/2010
O progresso da tecnologia e o desenvolvimento do computador — que na verdade é a primeira máquina feita pelo homem sem um uso especifico, que não só armazena informações, mas, e principalmente, comanda o uso de outras máquinas — modificaram profundamente quase todos os aspectos da vida humana, e tornaram mais fáceis, quase corriqueiras, coisas que há até pouco tempo eram reservadas a poucos, cientistas ou profissionais especificos.

Hoje é possível, por exemplo, planejar, comprar e simular uma viagem praticamente sem sair de casa, reservando e avaliando os hotéis, aviões, passeios, restaurantes etc. apenas com o auxilio de um pequeno computador portátil; e, durante a viagem, ver e falar com os amigos ou parentes que ficaram.

Duas das categorias profissionais mais afetadas por este desenvolvimento são os pilotos de aviões e os cirurgiões.

O desenvolvimento da videocirurgia, da tomografia computadorizada, da ressonância magnética e outros métodos diagnósticos, e a incorporação de novas tecnologias como monitores específicos de anestesia, laser, ultrassom, ondas de choque, dispositivos implantáveis, robôs etc. ao ato cirúrgico vieram melhorar muito os resultados das operações, facilitar a sua execução e diminuir o sofrimento dos que a elas se submetem. É coisa quase do passado o outrora tão temido “choque anestésico ou choque operatório”, como era conhecida a morte na mesa de operação. Respeitadas as normas de segurança, estes eventos se transformaram em uma raridade fora dos hospitais de pronto socorro, de trauma ou dos casos realmente desesperados, de pacientes muito graves, sendo que nestes últimos a família quase sempre participa da decisão.

Mas, a exemplo do que ocorre com os pilotos dos aviões, para utilizá-las com sucesso é preciso que o cirurgião domine amplamente as novas tecnologias, conheça as suas limitações e tenha a legítima preocupação de utilizálas para o bem-estar do paciente, obtendo os melhores resultados. Temos todos, médicos e pacientes, um fascínio por tudo que é novo, e parece avançado...

mas é preciso ressaltar que o compromisso deve ser sempre com o melhor resultado final para o paciente, e não com a nova técnica, pois é isto o que a sociedade espera de nós.

No Brasil, como a maioria das coisa novas não ocorre nos hospitais públicos, e de modo geral são sempre dispendiosas, existe ainda um problema adicional que é a necessidade de pagar os investimentos das instituições ou empresas que estão disponibilizando estas novas técnicas, e às vezes esta necessidade diminui o compromisso com o resultado, o que nunca deveria ocorrer.

Especificamente na área da urologia, minha especialidade, na última década vimos surgir um tratamento ou aparelho novo quase a cada ano, pois esta sempre foi uma especialidade afeita a novas tecnologias. Aliás, principal razão do seu “desmembramento” da cirurgia geral pelos anos 30 foi o aparecimento dos endoscópios, ainda de vidro, que possibilitavam um diagnóstico mais preciso , mas exigiam um longo período de treinamento de quem os utilizava. Na época, uma nova técnica, mas na verdade apenas o aperfeiçoamento de instrumentos idealizados muitos anos antes, mas impossíveis de serem até então fabricados.

Só nos últimos 20 anos, quando já existia a maioria dos métodos diagnósticos mais corriqueiros ainda hoje utilizados, como a ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, além é claro das endoscopias urológicas, doenças até então praticamente incuráveis, como a incontinência urinária e os problemas de ereção, encontraram soluções relativamente simples e eficientes; e, outras, que já eram tratadas com sucesso, mas com operações, como os cálculos renais e as doenças da próstata ou dos rins, muitas vezes são hoje tratadas em um dia ou mesmo sem internações hospitalares Algumas destas novas técnicas são apenas uma evolução das que já existem, e os cirurgiões urologistas são capazes de aprendê-las em pouco tempo, e obter bons resultados rapidamente.

Sem falsa modéstia, é surpreendente a capacidade do médico brasileiro de aprender coisas novas, talvez fruto da improvisação a que todos fomos obrigados a recorrer durante o inicio da vida, trabalhando em hospitais nem sempre bem equipados. Outras são realmente novidades, e que ainda precisam passar pelo crivo do tempo.

Nem sempre tudo que é novo é necessariamente melhor, especialmente em um campo tão difícil de julgar como a saúde humana. E, voltando ao exemplo dos pilotos, se o técnico não dominar plenamente a máquina que usa, os resultados podem ser desastrosos.

É preciso manter sempre a mente aberta para todas as novidades médicas, utilizá-las com critério, mas sobretudo é preciso lembrar que o paciente, e não a máquina, é a razão da nossa existência. E que o seu julgamento final sobre o resultado do seu tratamento será sempre o resultado obtido, e não o método empregado.

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