O Haiti não está só
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/01/10
Temos visto a enorme mobilização internacional. A nossa tarefa é canalizá-la, o que exige coordenação vigorosa e eficaz
A CATÁSTROFE no Haiti demonstrou algo que nós sempre soubemos: mesmo na maior devastação, há esperança.
Vi isso com os meus próprios olhos nesta semana, em Porto Príncipe. A ONU sofreu a maior perda de sua história. Nossa sede na capital haitiana era um amontoado de concreto despedaçado e aço retorcido. Como poderia alguém sobreviver, pensei?
No entanto, logo depois de partir, com o coração pesado, as equipes de salvamento retiraram um sobrevivente dos escombros -vivo, após cinco dias enterrado, sem água nem alimentos. Considero isso um pequeno milagre, um sinal de esperança.
Catástrofes como a do Haiti nos lembram a fragilidade da vida, mas também reafirmam nossa força. Vimos imagens horrendas na televisão: edifícios destruídos, cadáveres nas ruas, pessoas precisando de alimentos, água e abrigo. Vi tudo isso e mais ao andar pela cidade em ruínas.
Mas também vi outra coisa -uma manifestação extraordinária do espírito humano, pessoas que estavam sofrendo duros golpes e demonstrando, mesmo assim, resistência notável.
Durante minha breve visita, falei com muitas pessoas comuns. Perto das ruínas do palácio presidencial, um grupo de jovens me contou que deseja ajudar a reconstruir o Haiti.
Depois da crise imediata, esperam ter empregos e um futuro com dignidade.
Do outro lado da rua, vi uma jovem mãe com seus filhos numa tenda, num parque público, com poucos alimentos. Havia milhares na mesma situação. Ela me disse, assim como outras pessoas, que esperava que a ajuda chegasse. "Vim trazer esperança", disse-lhe. "Não desesperem". E ela pediu que a comunidade internacional ajudasse o Haiti -pelos seus filhos, pelas gerações de amanhã.
Para pessoas que perderam tudo, a ajuda nunca chega cedo demais. E vai chegar, em quantidades cada vez maiores, apesar dos problemas logísticos numa capital em que todos os serviços deixaram de existir e que perdeu toda sua infraestrutura.
Na segunda-feira de manhã, havia mais de 40 equipes internacionais de busca e salvamento com mais de 1.700 pessoas trabalhando. O fornecimento de água está aumentando, estão chegando em grande número tendas e abrigos temporários. Hospitais que ficaram muito danificados recomeçam a funcionar com a ajuda de equipes médicas internacionais.
O Programa Mundial de Alimentos está trabalhando, em conjunto com o exército dos Estados Unidos, para distribuir rações diárias de alimentos a quase 200 mil pessoas. Eles esperam conseguir ajudar 1 milhão de pessoas dentro das próximas semanas, aumentando gradualmente esse número para 2 milhões.
Temos visto a enorme mobilização de ajuda internacional, à altura da catástrofe. Todos os países, todas as organizações internacionais de ajuda humanitária se mobilizaram para ajudar o Haiti. A nossa tarefa consiste em canalizá-la. Temos que assegurar que nosso auxílio chegue o mais depressa possível. Não podemos ter abastecimentos essenciais imobilizados em armazéns. Não temos tempo a perder nem dinheiro a desperdiçar.
Isso exige uma coordenação vigorosa e eficaz -a comunidade internacional trabalhando junta, unida, sob a direção da ONU.
Desde o primeiro dia a ONU está trabalhando com os EUA, o Brasil e uma constelação de nações e agências de ajuda internacionais para identificar as necessidades humanitárias mais urgentes e entregar o que faz mais falta. A polícia e os contingentes militares estão fazendo a sua parte para ajudar a manter a ordem em desafiador ambiente pós-terremoto.
Gostaria de agradecer ao povo e ao governo brasileiro pela ativa liderança militar na missão da ONU. Apesar de suas próprias perdas -18 militares, a dra. Zilda Arns, e o nosso colega Luiz Carlos da Costa, o chefe adjunto da missão-, vocês permaneceram fortes e comprometidos com uma vida melhor para o Haiti.
A urgência da situação irá, naturalmente, dominar nossas atividades de planejamento. Mas não é cedo demais para pensar no amanhã, um aspecto que o presidente René Préval salientou quando nos encontramos.
Embora seja um país desesperadamente pobre, o Haiti fazia progressos.
Não será suficiente reconstruir o país da forma como estava e também não há lugar para simples melhorias de fachada. Temos que ajudar o Haiti a construir algo melhor, trabalhando lado a lado com o governo para que o dinheiro e a ajuda produzam benefícios duradouros, criando empregos e libertando o país da dependência da generosidade do mundo.
Nesse sentido, a situação no Haiti nos faz lembrar nossas outras responsabilidades. Há uma década, a comunidade internacional iniciou um novo século concordando em agir para eliminar a pobreza extrema até 2015. Grandes avanços foram feitos em direção a alguns desses Objetivos do Milênio, que atacavam diversas causas fundamentais da pobreza mundial e obstáculos ao desenvolvimento. No entanto, estamos muito longe do cumprimento das nossas promessas de um futuro melhor para os pobres do mundo.
Ao nos apressarmos para prestar ajuda ao Haiti, não devemos perder de vista o panorama geral. Foi essa a mensagem muito clara que recebi das pessoas nas ruas de Porto Príncipe.
Pediram empregos, dignidade e um futuro melhor. É essa a esperança de todas as pessoas pobres do mundo, onde quer que vivam. Fazer o que é correto em relação ao Haiti, neste momento de grande necessidade, será também para a sua população uma poderosa mensagem de esperança.
BAN KI-MOON, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA), é o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Foi ministro das Relações Exteriores e do Comércio da República da Coreia.
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