A continuidade vencerá no Chile
O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/12/09
Hoje o Chile experimenta sua quinta eleição presidencial desde o retorno da democracia, em 1990. A atual presidente, Michelle Bachelet, chefia o quarto governo da Concertação, que tem sido a coalizão no poder nos últimos 20 anos. O notável é que a popularidade de Bachelet se encontra em 80%, contrastando com os 40% que ela tinha quando começou seu mandato.
A razão disso, além de seu carisma e do fato de ser a primeira mulher presidente do Chile, é que ela concentrou sua gestão na adoção de uma política de proteção social orientada para os setores mais vulneráveis - a terceira idade, as crianças e os pobres - a partir de uma poupança sistemática, que não só permitiu financiar programas de acesso a saúde, educação e moradia, como também tornou mais suportável os efeitos da crise econômica no país.
Nesse sentido, o aumento das receitas das exportações de recursos naturais, junto com o financiamento das políticas sociais, acabaram por definir a plena inserção do Chile na globalização, consolidando um modelo de desenvolvimento que está vigente há 25 anos.
No entanto, o que explica a alta popularidade da presidente é o fato de ela ter se mantido afastada dos partidos políticos, o que significou, por sua vez, não se envolver em nenhum conflito partidário nem em disputas com o Congresso.
Essa estratégia foi bem recebida num país em que 3 milhões de habitantes em idade para votar - cerca de 35% dos eleitores - não se inscrevem para participar do processo eleitoral.
Neste cenário, a Concertação teve de suportar uma crescente fragmentação nos partidos que a compõem e uma crítica frequente relacionada ao comportamento excludente de sua cúpula.
Esse fenômeno, expresso na candidatura de Marco Enríquez-Ominami, ex-militante do Partido Socialista, que sem o respaldo de partidos conseguiu que o primeiro turno se concentrasse na disputa com Eduardo Frei, da Concertação, para ver quem brigará no segundo turno com Sebastián Piñera, candidato de centro-direita.
O cenário político dessa eleição já não tem Pinochet como referência e nem uma direita comprometida com seu legado ditatorial. Na realidade, a fina linha que separou esquerda e direita se transformou numa área onde liberais, hoje em dia, compartilham objetivos similares, ainda que tenham estilos de governo diferentes.
Piñera, que tem boa chance de vencer, representa uma direita que evoluiu do ponto de vista ideológico, integrando, inclusive, dissidentes da Concertação, mas que também se adaptou aos novos eixos da política, na mesma linha de Merkel e Sarkozy, encantando setores que valorizam a alternância como um mecanismo que consolida o processo democrático chileno.
Dessa perspectiva, independentemente de quem vença, o novo presidente herdará um país cuja sociedade modificou sua percepção da política e, com isso, deixou em evidência a crise do sistema partidário e a necessidade de avançar em reformas orientadas para recompor o vínculo com a cidadania.
Os três principais candidatos (Piñera, Frei e Enríquez-Ominami) não questionam o atual modelo de desenvolvimento. Eles manterão a proteção social herdada de Bachelet, enfatizando papéis distintos para o Estado e mantendo uma economia de mercado que assegure o equilíbrio macroeconômico.
Em política externa, a integração com a região é um fator comum nas propostas, apesar de a incorporação do Chile à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e as exigências decorrentes de mais de 22 tratados de livre comércio ou acordos bilaterais, que envolvem mais de 56 países, colocarem uma assimetria na relação com alguns países da região.
Isso que obrigará o futuro presidente a buscar fórmulas inovadoras para fortalecer os vínculos e projetar o desenvolvimento extracontinental do Chile.
Se Piñera vencer, constituindo o primeiro governo eleito de direita depois de 50 anos, isso implicaria mudanças importantes na alta burocracia do Estado. No entanto, dado o nível de dependência de outros setores políticos para conseguir a governabilidade, é improvável que seu governo seja caótico.
Por fim, hoje saberemos se a Concertação assistirá ao funeral de sua coalizão ou se ainda teremos de esperar o segundo turno para começar o processo de renovação que seus militantes exigem.
Guillermo Holzmann é analista e diretor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade do Chile
Nenhum comentário:
Postar um comentário