domingo, dezembro 13, 2009

ELIO GASPARI

O trem-bala pode atropelar Dilma

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/12/09


A marquetagem e os interesses quase provocaram um desastre e ameaçam a fama de competência da ministra


A MINISTRA Dilma Rousseff orgulha-se de ser a "Mãe do PAC" e do projeto de construção de um trem de alta velocidade ligando o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas. Se ela não tomar cuidado, o trem-bala será um exemplo de sua descoordenação administrativa.
Os transportecas insistem em dizer que o trem-bala rodará a tempo de servir às torcidas da Copa do Mundo de 2014. Mentira. Esse prazo explodiu, mas o comissariado do Planalto ainda não achou a porta de saída para a chefona.
Dilma e seus assessores sabem o tamanho do desastre que foi a primeira fase das negociações do trem. De 2004 a 2007, o projeto esteve nas mãos de burocratas incapazes e empresários simpáticos. Projetavam um trem que iria do Rio a São Paulo sem paradas (maluquice), não precisaria de investimentos públicos (mentira) e seria viabilizado por uma demanda de 32,6 milhões de passageiros/ano (fantasia). A obra custaria cerca de US$ 9 bilhões e estava mai$ ou meno$ combinado que ficaria com um con$órcio italiano.
Em 2007, descobriu-se que não havia projeto de trem-bala, mas de CPI. O assunto foi entregue à racionalidade do BNDES e a linha foi projetada até Campinas com seis paradas no trecho Rio-São Paulo. O preço foi para US$ 12 bilhões e hoje, numa conta pessimista, teme-se que chegue a US$ 20 bilhões. O governo deverá ficar com até 70% do investimento e suspeita-se que acabará garantindo a demanda. A tarifa, que começou com uma estimativa empulhadora de R$ 100, está em R$ 246. Um sábio chegou a dizer que uma tarifa barata quebraria as empresas aéreas, como se coubesse à choldra financiar o trem e pagar bilhetes caros para preservar o mercado dos aerocratas ineptos.
Há a suspeita de que, por conta da demanda e do baixo custo de construção, a linha rentável não é a Rio-São Paulo, mas a que irá de São José dos Campos a São Paulo e Campinas. É mais fácil começar uma guerra civil do que botar a Viúva federal para pagar uma obra dessas.
Se a doutora Dilma tirar do trem-bala as cascas da pressa marqueteira e das pressões dos fornecedores de créditos, equipamentos e obras físicas, poderá administrar uma bonita obra. Se usar o trem para fazer propaganda, candidata-se ao título de "Viúva do PAC".

A VISÃO PETISTA DA SEGUNDA GUERRA

Há uma semana, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ministro de Assuntos Estratégicos, defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU durante uma palestra no Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty. Defendeu a admissão, como membros permanentes, de Brasil, Índia, Alemanha e Japão. Ia tudo muito bem até que ele explicou a exclusão, em 1946, da Alemanha e do Japão do centro de decisões da ONU. Numa versão-companheira da Segunda Guerra Mundial, os dois países penaram "tantos anos de purgatório, de punição, por terem desafiado a liderança anglo-saxônica do mundo". (A repórter Claudia Antunes ouviu, anotou e noticiou.)
A menos que Nosso Guia indique outro caminho, a Alemanha e o Japão não desafiaram "a liderança anglo-saxônica". Eles invadiram seus vizinhos, montaram economias baseadas no trabalho escravo e máquinas de extermínio nunca antes vistas na história. Na conta da Alemanha havia cerca de 10 milhões de mortos em campos de extermínio. Na do Japão, 6 milhões de coreanos, chineses e filipinos.
E em 1945, depois da abertura dos campos de concentração da Europa e da Ásia, nem mesmo os precursores da defesa do nazismo e da Grande Esfera de Co-Prosperidade do Império Japonês falavam mais em desafio à "liderança anglo-saxônica".
Na dúvida, basta reler "Mein Kampf", de Adolf Hitler.

GRANDE STAUB
As derrotas são órfãs, mas o empresário Eugenio (Gradiente) Staub deu uma lição aos seus pares. Numa sucessão de tropeços, tinha 2.000 funcionários e ficou com 250 e deve R$ 385 milhões. Anunciando um plano de recuperação de sua empresa, Staub poderia ter recorrido à empulhação convencional culpando: 1) A carga tributária. 2) Os chineses. 3) A globalização. 4) A taxa de juros. 5) A herança escravocrata.
Preferiu um caminho exemplar: "Os erros cometidos foram meus, de mais ninguém".

DEMÓFOBOS
Na contramão de Staub, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, informou aos contribuintes que as enchentes foram consequência "da chuva". Já o governador José Serra explicou que os dilúvios decorrem, inclusive, de "um problema geral, de comportamento da população" que joga lixo onde não deve. (Parte da inundação resultou de defeitos em bombas de escoamento do rio Tietê, onde o tucanato gastou R$ 1,7 bilhão numa obra de drenagem.) Serra pode formar uma frente com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, para quem "as pessoas precisam ser menos porcas e parar de jogar coisas na areia [da praia]". Os dois poderiam adotar um slogan em suas campanhas: "Não aceito voto de porco".

LULA LEMBRA
Os estudantes de Brasília que pretendem processar o coronel da PM José Belizário Silva Filho devem arrolar Nosso Guia como testemunha. Lula poderá contar que, durante a greve de 1979, em plena ditadura, o enorme coronel Dauterdimas Rigonatto comandou os soldados no ABC e não saiu no tapa com os trabalhadores. Ruim de briga, o coronel de Arruda avançou num manifestante, foi ao chão e só recuperou a valentia quando os soldados dominaram sua vítima.

EROS GRAU X MARX
Durante a sessão do Supremo Tribunal que preservou a censura imposta pelo afortunado Fernando Sarney ao jornal "O Estado de S. Paulo", o ministro Eros Grau tornou-se mais uma vítima do marxismo. Ele amparou-se em Karl Marx para dizer que, havendo lei, não pode haver censura. Nesse caso, o Supremo, amparado na lei, preservava o silêncio do jornal, mas não o censurava. Grau achou essa ideia de Marx no seu primeiro e longo artigo publicado na "Gazeta Renana", em maio de 1842, quando ele tinha 24 anos. O contexto em que Grau citou o jovem Karl virou-o pelo avesso. O barbudo alemão fez uma erudita e caótica defesa da lei como instrumento para a eliminação da censura. Na Gazeta, o homem da tesoura chamava-se Dolleschall e Marx queria livrar-se de sua raça. Nas palavras do "corifeu da praxis": "A lei de imprensa pune o abuso da liberdade. A lei da censura pune a liberdade como se fosse um abuso". Nesse caso, havendo lei, não haveria censura. Em abril passado a corte onde Grau apresentou o argumento de Marx mandou para o lixo a Lei de Imprensa da ditadura. Portanto, no caso do silêncio do "Estadão", não havia lei, mas o Supremo manteve a censura.

VIVO MUITO VIVA
A operadora Vivo entrou no mercado de vidas. Uma de suas clientes recebeu uma conta com uma linha da qual ela nunca ouvira falar, ligou para a empresa e deram-lhe uma informação categórica:
- A senhora não conhece sua dependente de nome ...? (o nome da mãe da vítima). Por um breve instante a cliente da Vivo achou que a operadora ressuscitara sua mãe, morta há 15 anos. Enganou-se, era apenas uma pequena tunga, coisa de R$ 8.

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