Gás natural esfola o consumidor
O ESTADO DE SÃO PAULO - 25/11/09
Os consumidores brasileiros de 44,3 milhões de m3 diários de gás natural estão sendo esbulhados pelos preços finais do produto praticados no País, com anuência dos governos estaduais e federal, bem como pelas respectivas agências reguladoras. Ora, este é um momento de medidas anticíclicas para impulsionar a indústria do País. Há espaço justo para uma redução saudável nos preços administrados de serviços de infraestrutura.
Em destaque, o preço interno do gás, antes dos impostos, constitui-se do valor de sua molécula somado ao do transporte até o portão de entrada dos centros de consumo (city gate). Para isso, opera-se uma rede de 6.672 km de dutos da Petrobrás, mais 2.593 km da TBG (gás da Bolívia). Nessa etapa, o órgão regulador é a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), sob pressões de políticos, de partidos e da própria Petrobrás.
Do city gate em diante, o poder concedente é o governo estadual, havendo em alguns Estados a sua agência reguladora. Em todos eles, exceto São Paulo e Rio de Janeiro, a Petrobrás conquistou a concessão para distribuir o insumo sob contratos de 50 anos - no mínimo discutíveis.
Apenas para ilustrar, em Alagoas cobrou-se no preço do gás a antecipação de investimentos futuros. E, na Bahia, o contencioso com consumidores se mantém amplo, incluindo aspectos do próprio contrato de concessão da distribuidora.
As margens das distribuidoras são bastante superiores às razoáveis no mundo, e é flagrante a gordura das companhias de gás do Rio de Janeiro. A Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa), nas duas revisões tarifárias impostas periodicamente pelas normas do setor, inchou os preços do combustível, em contraste com as respectivas indicações da Universidade Federal Fluminense. Para ilustrar, há uma diferença de 539 milhões de m3 entre o volume realizado pelo mercado e o aprovado na revisão, referente ao ano de 2008, sempre em desfavor do consumidor.
Na verdade, essa diferença impacta no volume que compõe o denominador no cálculo da margem da distribuidora. Inflando um, camufla-se o outro. E cobra-se mais. Um argumento da Agenersa repousa sobre atrasos no acesso aos dados das companhias distribuidoras, impedindo a conclusão de avaliações em tempo. Em decorrência, a conta vai para a vítima de sempre.
Enquanto o preço médio nacional do gás natural no Brasil gira em torno de US$ 8/milhão de BTU (sem desconto), e a média nacional efetiva está próxima de US$ 7,63/milhão de BTU, as distribuidoras estão conseguindo comprar o excedente nos leilões de sobra a US$ 4,63/milhão de BTU, elevando ainda mais suas margens. Afinal, vendem-no, quando o conseguem, a preço firme.
Urge maior consideração com este mercado, que em 2010 deverá somar 96 milhões de m3 diários no Brasil - 66 milhões nacionais e 30 milhões bolivianos. Na boca do poço, produtores bolivianos estão recebendo US$ 1/milhão de BTU, enquanto, no Brasil, frequentemente se alcançam US$ 4 ou até mais.
Oriento-me pela Consultora Gas Energy, cujos estudos e dados desde logo aqui endosso. Por isso, acrescento que a espoliação começa antes de o gás chegar às cidades ou city gates. É inacreditável o que se paga no País a título de transporte. Veja que, para uma malha com 20 polegadas de diâmetro médio (e, por simulação, 100% não depreciada, com 15% de retorno anual), atinge-se um custo do tubo de US$ 25/m.polegada, ou mesmo de US$ 45/m.polegada, e as tarifas de transporte, respectivamente, de US$ 0,89/milhão de BTU e de US$ 1,61/milhão de BTU. Pois a Petrobrás nos cobra em média nada menos do que US$ 2,50/milhão de BTU (ou US$ 2,80, com o câmbio de setembro).
Nas condições brasileiras, melhor do que exportar o gás natural é vendê-lo no mercado interno, assegura a Gas Energy. Observe que no caso de exportar a US$ 6/milhão de BTU (com resultado líquido de US$ 5), melhor será colocar o insumo no mercado industrial interno, com fator de utilização de 95% do tempo, em que se obtém um ganho de US$ 6,7/milhão de BTU.
No entanto, o primado do desenvolvimento, do interesse coletivo, da criação de empregos e riquezas não se sobrepõe no Brasil às confusões entre Estado e governo, patrimonialismo e agendas eleitorais às quais servem nossos hidrocarbonetos.
Paulo Ludmer, engenheiro, professor de pós-graduação da FEI e do Mackenzie, é jornalista, consultor e escritor
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