Cautela prejudicial
O GLOBO - 05/11/09
O governador de Minas, Aécio Neves, marcou dezembro para uma definição oficial do PSDB sobre o candidato à sucessão de Lula para retomar o controle da disputa interna, que estava se encaminhando para uma decisão unilateral do governador de São Paulo, José Serra, o líder das pesquisas de opinião, que escolheria o momento de assumir a candidatura e tornaria quase automática a aceitação da vice por Aécio. Com seu ultimato, Aécio quer forçar uma definição de Serra, testar se sua intenção de sair candidato a presidente é a todo risco, mesmo sem contar com seu nome como vice.
O governador José Serra não acredita na tese de que Lula transferirá sua popularidade para Dilma, mas, se em março ela estiver na frente das pesquisas, ele poderia desistir de se candidatar para tentar a reeleição ao governo de São Paulo. A essa altura, o governador de Minas já teria se lançado ao Senado, e com o ânimo um pouco menos doce do que começou a campanha.
Os últimos acontecimentos — a pesquisa do Ibope colocando-o como vice; os boatos sobre sua vida particular — não o fizeram perder o encanto pela disputa, mas ele exige uma definição até dezembro porque acredita que Serra, pressionado, não enfrenta o desafio.
Foi no que acreditou o então governador Geraldo Alckmin em 2006 que, assim como Aécio hoje em Minas, já não podia disputar a reeleição em São Paulo.
Mas a tática deu certo não porque Serra não quisesse enfrentar Alckmin, mas sim porque se convenceu de que a parada estava perdida para Lula.
Assim como Dilma não é Lula, o que facilita a decisão de Serra, Aécio também não é Alckmin, o que dificulta a indefinição de Serra.
O governador de Minas tem uma perspectiva real de arrebatar apoios políticos, e bagunçar o esquema cuidadosamente montado por Lula.
O PT, mais bem estruturado, paradoxalmente tem a vantagem da liderança pessoal de Lula que é, ao mesmo tempo, o fator que o mobiliza, mas também o paralisa.
O PSDB, com uma estrutura partidária débil que nunca se organizou, a tal ponto que não conseguiu fazer um cadastramento nacional para realizar as prévias que poderiam indicar seu candidato à sucessão de Lula, tem a vantagem de não ter um líder carismático a ditar-lhe as regras, mas está sempre se debatendo entre líderes regionais que não conseguem unir o partido. É mais democrático, mas menos eficiente.
Entre um partido que tem estrutura e liderança nacionais, mas não tem candidato natural à sucessão de Lula, e outro que tem dois candidatos viáveis, mas não tem nem organização nem unidade, a disputa sucessória vai se desenhando com vantagens para o lado governista, mais unido, apesar da liderança do governador José Serra nas pesquisas de opinião.
O presidente Lula assumiu como projeto político pessoal eleger seu sucessor, e deliberadamente antecipou o debate. A bordo de uma popularidade espantosa, Lula colocou-se em campo para eleger a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, escolhida a dedo na melhor tradição caudilhesca, usando todas as armas disponíveis, até o limite da ilegalidade.
Ele vai avançando os limites do permitido até onde o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a opinião pública aceitarem, vai ocupando todos os espaços na máquina federal e montando uma imensa rede de apoiadores e financiadores com base nos fundos de pensão e nos ministérios divididos entre sua base eleitoral.
E toma de assalto o horário de propaganda eleitoral pela televisão e rádio, buscando inviabilizar candidaturas saídas de seu meio, como as de Ciro Gomes e Marina Silva, para tentar montar um arco partidário tão heterogêneo quanto artificial, que servirá ao único propósito de dar à candidata chapa-branca o domínio absoluto da propaganda oficial.
A verdadeira operação de guerra que Lula está montando em favor de sua candidata ainda não tem reflexos positivos nas pesquisas de opinião, e a candidatura de Dilma Rousseff existe apenas com base na crença, que não tem nenhum comprovante científico na história política brasileira, de que Lula conseguirá transformar sua popularidade em votos.
Se até março, último mês para a desincompatibilização de candidatos que não disputam a reeleição, as pesquisas não apontarem uma subida nas intenções de voto de Dilma, é provável que a expectativa de poder se transfira do presidente Lula para o governador José Serra, que vem liderando as pesquisas de opinião.
Mas, de qualquer maneira, desta vez a divisão do PSDB tem mais chances de ser superada, seja qual for o candidato, sejam quais forem as mágoas.
Se Serra desistir da Presidência, é um candidato quase imbatível ao governo de São Paulo, e o candidato Aécio terá um palanque fortíssimo e um apoio quase natural num estado dominado pelos tucanos há anos.
Se o candidato for mesmo Serra, o que ainda é mais provável, Aécio não terá como não jogar seu peso político a favor da candidatura tucana, mesmo não sendo o vice.
O PT tem força em Minas, e a candidata oficial quer explorar o fato de que é mineira de nascença. Por isso, Aécio terá que se esforçar para manter sua liderança em Minas.
Em 2002 e 2006, Lula ganhou nas duas vezes em Minas, mesmo Aécio vencendo no primeiro turno da eleição para governador.
Mas Dilma não é Lula.
Se Serra resolvesse correr o risco, poderia convidar Aécio para anunciarem juntos, em dezembro, a chapa puro sangue. Mas, para isso, precisaria deixar suas cautelas de lado, em nome da unidade partidária.
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