quinta-feira, novembro 05, 2009

FERNANDO DANTAS

Cartilhas diferem, e podem não funcionar

O Estado de S. Paulo - 05/11/2009


Diante do problema da valorização do real, o Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC) mostram mais uma vez que seguem cartilhas distintas - que, porém, podem ser episodicamente complementares. E provavelmente inócuas.

A Fazenda do ministro Guido Mantega, com sua moderada inclinação heterodoxa, foi a primeira a sacar o seu instrumento, introduzindo uma taxação de 2% nos capitais que vêm em busca de títulos de renda fixa e ações no Brasil. Agora, o BC parece estar disposto a reagir, trazendo de novo à baila a recorrente agenda da liberalização cambial.

Se a lógica da Fazenda é a de emperrar um pouco a entrada de dinheiro, a do BC é a de lubrificar a saída. Nos dois casos, o que se busca é reduzir a quantidade de dólares que é vendida no mercado cambial brasileiro, que empurra para baixo a cotação da moeda americana ante o real.

Os analistas, de maneira geral, são céticos em relação a ambas as estratégias, já que a valorização do real tem causas fundamentais que dificilmente serão afetadas por medidas tão tímidas quanto as do cardápio da Fazenda e do BC. A visão mais comum é que um País que sai da crise global em tão boa forma está destinado a crescer vigorosamente.

O problema é que, por possuir estruturalmente um baixo nível de poupança doméstica, o Brasil precisa de capital externo para fechar as suas contas, já que o consumo e o investimento ultrapassam o PIB - em termos simplificados, gasta-se mais do que a própria renda. Como o mundo confia no Brasil e está disposto a financiá-lo, os capitais vêm a rodo, mas a resultante de todo esse processo é o câmbio valorizado.

O IOF de 2% da Fazenda é considerado insuficiente para mexer de forma significativa nessa equação. Ele pode, por outro lado, suavizar um pouco processo, o que é possível até que já tenha feito. Embora seja impossível separar o que é efeito das vicissitudes dos mercados internacionais e o que pode ser atribuído ao IOF, o fato é que o dólar vem se sustentando (até agora, pelo menos) acima de R$ 1,7 desde a introdução do tributo no dia 20 de outubro - dias antes, chegou a fechar em R$ 1,699.

No caso das medidas liberalizantes que o BC cogita implantar, como autorizar que fundos de varejo invistam no exterior, a sensação inicial é de que podem ser ainda mais inócuas do que as da Fazenda. A razão é simples. Sempre que a agenda de liberalização cambial volta à tona, a motivação básica - no fundo - é que não tem sentido impedir que os investidores façam o que eles não querem fazer mesmo. Isso é, no momento, todo mundo quer trazer dinheiro para o Brasil, e não tirá-lo do País. Assim, para que restringir as aplicações lá fora?

Sempre é possível, é claro, que haja algum represamento dos fluxos de capital para fora do País por causa das restrições de uma legislação antiquada. Assim, ao removê-las, não é impossível que governo tenha algum ganho na sua luta contra a valorização. Porém, diante do apetite geral por ativos brasileiros, escancarar as portas para a saída de capitais não parece uma medida eficaz.

Alexandre Pavan Póvoa, diretor-executivo do Modal Asset Management, acha inclusive que, por ser o tipo de medida que colhe aplausos dos investidores, a liberalização cambial pode até tornar o Brasil mais atraente. Afinal, a ideia de que a porta de saída está bem aberta sempre agrada a quem está entrando. Póvoa apoia passos nesse sentido, mas não porque considere que sejam uma maneira de deter a valorização cambial no curto prazo.

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